Eu só quero chocolate no panetone
Secular tradição à mesa natalina, a iguaria de massa fofa adere de vez às versões achocolatadas, à base de matéria-prima da mais alta qualidade
Um tal padeiro italiano chamado Toni provavelmente não tem nada a ver com a trama, mas é divertida mesmo assim a lenda segundo a qual ele teria, numa bela noite de Natal em que havia queimado a sobremesa, improvisado a iguaria na corte de Ludovico, o Mouro: nascia então o “pão de Toni”. Como ocorre com tantas guloseimas de apreciação global, essa não é a única, mas apenas uma das teorias do diverso rol de enredos por trás da criação do hoje tão tradicional panetone. Sabe-se que é um costume medieval natalino a presença de pães ricos e enfeitados à mesa, mas a receita de fermentação natural e massa aerada só seria mencionada pela primeira vez em manuscrito de 1470, em Milão, região onde surgiu. Fato é que as frutas cristalizadas estavam na fórmula desde os primórdios, mas, aos poucos, foram cedendo espaço a outros recheios — até que, no presente evento natalino, cedeu o protagonismo ao chocolate, fazendo os mais puristas torcerem o nariz. Já os incontáveis apreciadores da sublime mescla de cacau e leite agradecem.
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Segundo dados do Instituto Kantar, as versões achocolatadas representaram 41% das vendas de panetone no Rio, ante os 33% das receitas com frutinhas coloridas no Natal que passou. Natural, portanto, que tenham ingressado de vez nas linhas das grandes marcas de chocolate com lojas na cidade. A Lindt, de matriz suíça, abraçou a massa italiana e, seis anos depois de assar seu primeiro panetone, lançou o sexto sabor que leva cacau. Há quase um século no mercado, a Kopenhagen fez da Língua de Gato, um de seus mais procurados itens, o tema dos pães natalinos que compõem uma linha de nove sabores. A venda dos seis deles à base de chocolate cresceram 35%, ante 8% dos demais. “O chocolate é a força motriz desse mercado. Virou um presente disputado”, diz Renata Vichi, CEO do Grupo CRM, que engloba as marcas Kopenhagen e Brasil Cacau. A premiada Dengo também atrai cada vez mais gente interessada nos exemplares que contêm, por exemplo, pedacinhos com 50% de cacau, laranja e cupuaçu. Segundo Estevan Sartorelli, CEO da rede presente em seis estados, a procura só avança: “Ao comprar o panetone, o cliente quer levar junto um chocolate de primeira linha”, explica.
Estudioso da história da alimentação, o escritor Enrique Rentería lembra que as adaptações foram sendo elaboradas ao longo do tempo. “Desde que o senhor Bauducco trouxe a receita para o Brasil, cresceu a ideia de colocar ingredientes diversos na massa e deixá-la menos seca, para atender ao gosto nacional”, conta. Nascida nos anos 1950 e hoje a maior produtora de panetones do planeta, com mais de 200 000 toneladas produzidas por ano, a Bauducco tem no Chocottone um item fundamental em sua estratégia natalina. “Ele é líder na preferência e nos faz presente em lares mais jovens, o que é essencial para alcançar mais consumidores e rejuvenescer nosso público”, afirma a gerente de marketing Juliana Corá. Para este fim de ano, a Casa Bauducco, rede de cafés e empórios, selou parceria com a marca Baci no lançamento da versão de massa escura com gotas de meio amargo e avelãs picadas.
No trabalho artesanal das boas padarias e confeitarias também se avistam novidades significativas. De origem belga, a Callebaut lançou, entre suas matérias-primas, quadradinhos batizados de chococubes, pensados especialmente para os panetones, com resistência ao calor, para não derreter e se espalhar pela massa. Quem está usando, assando e aprovando é a chef Paula Prandini, do Empório Jardim, que estreia o ingrediente em seus chocotones. “As frutas cristalizadas são tipo as passas no arroz: as pessoas amam ou odeiam. Já o chocolate tem mais apelo comercial, psicológico e lúdico para atender ao paladar de adultos e crianças”, avalia. Com todo o respeito à tradição milanesa, é difícil discordar depois da primeira mordida.
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