Vinho e cinema, casamento perfeito
A sétima arte e a enologia tem muito mais em comum do que podemos imaginar e podem ser uma ótima combinação
Já faz mais de 20 anos da primeira vez que publiquei sobre “vinho & cinema”. Desde então este foi um dos principais temas das centenas de palestras de vinho que já fiz pelo mundo. Diversos aspectos conectam estas duas artes. Primeiramente o fato de que inúmeros astros de Hollywood terem enveredado pelo mundo do vinho, de Francis Ford Coppola a Brad Pitt, passando por Gérard Depardieu e Drew Barrymore, a lista é longa. Depois, desde o filme Sideways, Entre Umas e Outras (2004), o vinho virou tema de incontáveis filmes, como Um Bom Ano (2006) e o mais recente Notas de Rebeldia (2020), só para citar alguns.
Tal aproximação nos faz indagar, existe alguma analogia entre estas duas formas de arte? O cinema surgiu o final do século XIX como o “olho mecânico”, onde o uso da energia elétrica e de um processo químico (de imprimir uma imagem em uma película) tinham papel central. Esta moderna máquina era capaz capturar pedaços da realidade, a vida como ela é, uma arte objetiva e neutra, no qual o homem, segundo um determinismo rigoroso, não interfere. O vinho em seus primórdios também era relacionado ao “real”, a verdade em sua essência, visão bem expressa na frase de Plínio: ”in vino veritas”. Para os antigos gregos o néctar dionisíaco ao mesmo tempo que embriaga traz lucidez.
Hoje os papéis desempenhados por cinema e vinho mudaram radicalmente. O cinema deixou de ser a arte do real para, no nosso mundo contemporâneo, tornar-se a mais lúdica das artes. No momento em que as luzes se apagam e o espectador entra em um sonho. O acender das luzes é quase como um despertar deste mundo onírico. O vinho, por sua vez, nas últimas décadas deixou de ser a bebida alimentar popular para associar-se ao prazer hedonista (e também lúdico) da viagem dos sentidos.
Os elementos do cinema também têm seu espelho no vinho. Atores são como uvas, alguns chegam a ser divas. A pinot noir por exemplo é a primeira casta tinta a ser lembrada quando se pensa em elegância. Quando nas minhas palestras indago o público que ator ou atriz seria um pinot noir, são sempre lembrados nomes como Audrey Hepburn, Fred Astaire e Sean Conery. Quando pensamos em força bruta, no mundo do vinho o estereótipo recai sobre a tannat, cepa que proporciona muitos taninos e às vezes (nem sempre) vinhos brutos. No vinho a analogia perfeita recai sobre atora musculosos de filmes de luta ou ação, Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger. Quando indago a plateia sobre os vinhos clássicos de Bordeaux, sua pompa e realiza, a reposta vem na forma de atores shakespearianos, como Laurence Olivier, ou papéis fortes, como Marlon Brando ou Al Pacino em O Poderoso Chefão. Já quando na taça apresento vinhos tintos calorosos, como um granache ou syrah do sul da França, com seus taninos sedosos, aromas de especiarias e teor alcoólico alto, a analogia recais ou astros ou atrizes mais sedutores, como George Clooney, Antonio Banderas, Margot Robbie, Scarlett Johansson ou Jennifer Lawrence.
Analogias como estas são leituras pessoais dos códigos de linguagem do vinho e do cinema. Você não precisa militar por minhas escolhas, mas sim criar as suas. Boa degustação e bom filme!