O Vinho e a Consciência Negra, juntos no banquete da história
A vinha não distingue a cor de quem a poda; ela responde apenas ao cuidado e ao talento. É um lembrete de que, onde há dedicação e respeito, há colheita.
O vinho é uma das mais antigas expressões da civilização. Desde que o homem aprendeu a transformar o fruto em cultura, o vinho acompanha rituais, encontros e celebrações. É símbolo de tempo, paciência e partilha — valores que também moldaram a humanidade. Quando se celebra o Dia da Consciência Negra, mais do que uma data, é oportuno refletir sobre a própria ideia de consciência: não como bandeira ou divisão, mas como a capacidade de reconhecer no outro um igual, um colaborador no mesmo banquete da história.
O vinho ensina isso silenciosamente. Nenhuma garrafa nasce sozinha: depende da terra, do clima e das mãos que a produzem. Cada safra é fruto de um trabalho coletivo, de uma sucessão de gestos humanos que atravessam séculos. A vinha não distingue a cor de quem a poda; ela responde apenas ao cuidado e ao talento. É um lembrete de que, onde há dedicação e respeito, há colheita.
As raízes do vinho também passam pela África. No Egito Antigo, há mais de cinco mil anos, o vinho já era produzido e consumido, parte dos rituais faraônicos e da vida cotidiana. Povos do norte africano, berberes e cartagineses, participaram do comércio e da difusão da cultura do vinho ao longo do Mediterrâneo. Muito antes das fronteiras modernas, o vinho já era um patrimônio compartilhado entre povos de diversas origens.
Nos séculos seguintes, especialmente durante o período colonial, o trabalho de homens e mulheres de ascendência africana foi essencial na agricultura do Novo Mundo, inclusive na viticultura. No Brasil, essas mãos ajudaram a erguer fazendas, construir adegas e transmitir saberes agrícolas que se perpetuaram. Essa contribuição, muitas vezes esquecida, faz parte da base sobre a qual o vinho brasileiro se ergueu. Reconhecer isso não é dividir, é dar crédito à história comum que nos formou.
Hoje, em várias partes do mundo, profissionais negros se destacam na produção, na sommelierie e na educação vínica. São enólogos, sommeliers e empreendedores que, com mérito e preparo, conquistam seu espaço num setor que se torna cada vez mais plural. Não por cotas nem slogans, mas pelo mesmo caminho que sempre fez o vinho prosperar: o trabalho sério, a busca pela excelência e a paixão pelo que se faz.
O vinho também é uma metáfora da convivência humana. A videira só floresce com equilíbrio — precisa de sol e sombra, calor e frio. Assim também é a sociedade: cresce quando há harmonia entre contrastes. A consciência verdadeira não está em separar, mas em compreender. Está em ver beleza na diferença, sem transformá-la em fronteira.
Celebrar o dia 20 de novembro é, portanto, celebrar a humanidade. É lembrar que o progresso nasce da soma das forças, não da oposição entre elas. O vinho é a prova viva dessa soma: solo, clima e gente diferentes se unem para criar algo maior. Cada garrafa guarda uma história de cooperação e esperança.
Ao erguer uma taça, ergue-se também uma ideia — a de que pertencemos todos à mesma vinha: a da condição humana. Que este brinde à consciência não divida, mas una. Que seja, como o vinho, um gesto de comunhão, de respeito e de gratidão a todos os que ajudaram a transformar o simples fruto da videira em cultura, arte e civilização.





