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Rafael Mattoso

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Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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No Dia Internacional das Mulheres, Bangu completou 349 anos

A importância de rememorarmos as lutas e histórias do dia 8 de março

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 11 mar 2022, 20h43 - Publicado em 11 mar 2022, 11h57
Trabalhadoras da fábrica Bangu
 (Acervo Museu de Bangu/Arquivo pessoal)
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Infelizmente, na mesma semana do Dia Internacional das Mulheres deste ano, tomamos conhecimento do teor repulsivo dos áudios vazados de um pseudo-parlamentar. Sem demonstrar constrangimento, o político diz que as mulheres refugiadas da guerra na Ucrânia “são fáceis porque são pobres!”

Esta visão sexista expõe um grave problema histórico, nossa herança patriarcal, que precisamos combater contundentemente e sem trégua. Cada vez mais a dureza dos dados nos confronta, de forma alarmante e constrangedora, através de relatos recorrentes de feminicídio e violência sexual. Somente no ano de 2021, ainda no curso da pandemia, o país registrou um estupro a cada 10 minutos, além de um feminicídio a cada 7 horas.

Sabemos que lutar por direitos é algo inerente à história das mulheres. No entanto, deveria ser uma luta prioritária de toda sociedade.

Foto de mulheres protestando por direitos no dia oito de março
(Marcelo Valle/Arquivo pessoal)

É curioso perceber que no mesmo dia 8 de março também temos o aniversário do importante bairro de Bangu, na Zona Oeste carioca. Interessante como a história de um dos mais populosos bairros da nossa cidade também está intimamente ligada à vida das trabalhadoras, principalmente durante o funcionamento da Fábrica de Tecidos Bangu, construída na região suburbana no final do século XIX.

Bangu atualmente se localiza nos entornos de Campo Grande, Senador Camará, Santíssimo, Padre Miguel e Realengo. Área que muitas vezes tem sua imagem, equivocadamente, vinculada apenas ao calor ou à criminalidade, associada ao complexo penitenciário Gericinó. Porém, sabemos que Bangu tem muitas preciosidades a nos revelar.

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Para trazer mais reflexões sobre a história de Bangu e sua relação com o movimento feminista, convidamos o poeta e pesquisador Marcos Nascimento, autor do livro “Os Portões da Fábrica”, lançado pela editora 7 Letras, em 2021.

Segundo Marcos: “O dia 8 de março, data considerada fundadora do bairro de Bangu, tem um gosto agridoce para as operárias que ocupavam as fileiras da fábrica, em 1893. Ano do início do funcionamento das atividades fabris no bairro, então Zona Rural da antiga Capital Federal. As mulheres eram quase metade do número total de funcionários do empreendimento, mas isso não significava qualquer tipo de avanço da consciência do crescente mercado industrial carioca. Muito pelo contrário, assim como as crianças que trabalhavam nas sessões da fiação, a mão de obra feminina significava baixo investimento salarial, além de uma meio supostamente mais fácil de controle e exploração capitalista.

Lamentavelmente vemos estas práticas até os dias de hoje: altas horas em turnos de trabalho, com salários bem menores em comparação aos homens. Esse foi o principal ativo da indústria naqueles tempos em que a chaminé da Bangu soava alto para acordar seus moradores e funcionários.

Curioso lembrar que a data que hoje é celebrada como Dia Internacional das Mulheres ainda não havia sido fixada, isso só irá acontecer com uma série de protestos por melhores condições e igualdade de leis de gênero, responsável por colocar o dia 8 de março no calendário de lutas feministas.
Voltando ao bairro de Bangu, uma greve geral tomou conta de diversas indústrias do Rio de Janeiro em 1903. As exigências da classe operária incluíam algumas demandas das mulheres, tais como a dispensa de três meses antes e depois do parto; escola para os filhos e filhas, visto que o cuidado materno incluía mais responsabilidade; e horas de dedicação para as mulheres daquele início de século XX.

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Além disso, diversas denúncias de assédio e castigos eram comuns nos corredores fabris, punições arbitrárias de gerentes e contramestres que se utilizavam da posição que ocupavam para forçar atos ilícitos, como afirmou uma operária da Bangu chamada Luiza Ferreira de Medeiros. Ela trabalhou nos anos da Primeira Guerra na Fábrica, ainda uma criança de 7 anos de idade, testemunhando fatos e abusos como esses.Seus depoimentos para pesquisadores nos anos 70 estão preservados em inúmeros estudos.

A produtividade feminina era superior à do trabalho masculino nas máquinas de tear: depoimentos indicam que uma operária conseguia operar de quatro a cinco teares ao mesmo tempo, enquanto um operário só operava um por vez. Isso não gerava admissão para cargos superiores, só aumentava os danos físicos aos quais estavam expostas.

As tecelãs banguenses são o principal fator de qualidade na produção de tecidos até o fim dos dias da fábrica. Do auge do padrão de excelência ao declínio da indústria têxtil nacional, nenhuma operária jamais foi homenageada de maneira oficial por suas diretorias ou pelos representantes políticos da cidade, não dão nomes às ruas ou são lembradas por placas. Ainda seguem reivindicando, até hoje, os direitos e melhorias de condições exigidas nas greves do passado.”

Foto aérea de 1982, feita por Donald Hudson, sobre a região central de Bangu
(Donald Hudson/Internet)
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Claro que a importância da fábrica não se restringiu apenas à produção têxtil. Bangu também teria grande protagonismo na cultura e nos esportes. Basta lembrar que pouco tempo após 6 de fevereiro de 1889, quando foi fundada a Companhia Progresso Industrial, a região passa a ter sua própria estação de trem, inaugurada em 1890, sua vila operária, de 1893, assim como a fundação do grupo carnavalesco Flor da Lira, em 1903, e a criação do Bangu Athletic Club, no ano seguinte.

A relação do operariado com o samba e o futebol se tornou muito forte. Para muitos banguenses apaixonados, a história do futebol no Brasil começou exatamente ali, através de Thomas Donohoe, o técnico em estamparia escocês que teria trazido a primeira bola e chuteiras para o país.

Antes de se tornar referência da industrialização e da modernidade nacional, Bangu foi uma terra indígena abundante em água, frutas e caça. Provavelmente, herdamos deste contexto o seu nome – uma das principais hipóteses para origem da palavra Bangu teria vindo através da apropriação da linguagem indígena. Os Tupinambás costumavam chamar de “útang-û”, a grande sombra escura formada pela barreira natural do Maciço da Pedra Branca. Há também os que acreditam que o denominação só apareceria durante o período colonial, onde uma série de fazendas e engenhos surgiram no local. Neste caso, a palavra “bangüê”, de origem africana, denominaria o local ou artefato onde se guardava e transportava o bagaço da cana-de-açúcar, que serviria de alimento para o gado.

Em numa dessas fazendas chamada Bangu foi criada pelo capitão Manoel Barcelos Domingues , em 1673, uma pequena capela particular. Esta devoção logo cederia seu nome para a importante freguesia rural, a Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande. Com o passar do tempo, Bangu passou a ser um importante polo de produção agrícola, com destaque para o açúcar, álcool, cachaça e rapadura, que eram escudados pelo Caminho dos Jesuítas de Santa Cruz.

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Atualmente Bangu é uma grande centralidade suburbana, com forte caráter comercial e industrial, sem esquecer suas potencialidades turísticas, belezas naturais e patrimoniais.

Na região central do bairro, o prédio da antiga fábrica foi preservado, tombado desde o ano de 2000. A partir de 2007, um shopping de grande porte passou a ocupar o espaço que atualmente também serve como lugar de preservação da história e da memória coletiva.

Foto da capa do livro Nos Portões da Fábrica, com uma foto da chaminé da fabrica Bangu.
Capa do livro Nos Portões da Fábrica (Marcos Nascimento/Divulgação)
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