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Luisa Mascarenhas

Por Luisa Mascarenhas, psicóloga e escritora Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Autora do livro 'A Vida Virtual Como Ela é'
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Desistir, pausar, recuar: quem disse que não pode?

Numa cultura voltada para o sucesso em todos os âmbitos, nunca estivemos tão ansiosos, deprimidos e exaustos; é preciso acolher nossas limitações

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Atualizado em 16 set 2024, 21h10 - Publicado em 16 set 2024, 16h22
Sombra de uma mulher saindo ou entrando por uma porta
sombra de mulher saindo por uma porta (Pixabay/pixabay)
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Não dá. Não consigo. Não quero. Não posso. Desisto.

Que difíceis palavras a serem colocadas em prática num mundo em que precisamos fazer e acontecer, agarrar todas as oportunidades, aproveitar cada segundo, estar em constante evolução, viver intensamente. Nunca parar nem “jogar a toalha”, fazer o possível e o impossível, jamais deixar para amanhã o que se pode fazer hoje. Sempre seguir em frente, fortes, enfrentando os obstáculos. Mas para onde estamos indo, afinal? Esse caminho reto, adiante, é para chegar aonde mesmo?

Ser feliz se tornou um imperativo e uma urgência. E ele inclui sucesso em todos os âmbitos da vida, seja lá o que isso signifique. Logo, ser produtivo em todas as esferas é indispensável e muito bem avaliado socialmente. “Fulaninho é uma máquina” é um grande elogio. Estamos todos correndo atrás. Só não sabemos exatamente atrás de quê.

Andamos imersos em afirmações “positivas” e motivadoras que soam como determinação e persistência, mas muitas vezes encobrem uma expectativa que desconsidera contextos, momentos de vida, limites físicos e psicológicos. “Eu levo tudo às últimas consequências”. Que consequências? Já pensou bem quais seriam elas? Estão mesmo valendo a pena?

Num mundo em que precisamos mostrar que somos interessantes, felizes, eficientes, viajados, divertidos, belos, desejados, amados, bem sucedidos, nunca houve tanta ansiedade e depressão. Por que será?

Em tempos de redes sociais, nos vemos quase obrigados a sermos produtivos até no lazer. O descanso muitas vezes é interrompido para uma fotografia (ou várias até que se acerte o ângulo, a luz e os filtros…) de pernas esticadas em uma rede num ambiente arborizado ou praiano, com um livro aberto aparecendo. Ou, quem sabe, de pernas esticadas na cama ou sofá, com uma taça de vinho em destaque, e a televisão ao fundo mostrando que estamos assistindo a um filme ou série interessante. Tudo isso para gerar um post com uma legenda bem pensada, que torne tudo descolado, atraente e despretensioso. Não basta descansar, tem que produzir conteúdo. Uma canseira.

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Se antes precisávamos ser produtivos e eficientes basicamente no âmbito profissional, agora nosso descanso e nosso lazer precisam ser um sucesso, nossa vida amorosa precisa ser um sucesso, nossa vida familiar precisa ser um sucesso, nosso corpo precisa ser um sucesso, nosso “mindset” precisa ser um sucesso, até nossa espiritualidade precisa ser um sucesso. Nós precisamos ser um sucesso, o tempo todo. E se não estivermos sendo, precisamos transformar qualquer adversidade em potencial sucesso, extraindo dela as tão faladas “lições de vida”. Até o fracasso pode, então, ser um sucesso, se utilizado da forma mais “eficaz”. Pode, quem sabe até, ser monetizado. Não estamos podendo nem mais fracassar em paz. As crises precisam se tornar oportunidade, evolução, aprendizado.

Os projetos e tarefas precisam ser realizados a qualquer custo. Recusar, recuar, desistir são compreendidos muitas vezes como fraqueza, como falha. Nunca somos o suficiente. Nunca está bom. Precisamos estar em movimento ascendente, constante. Um por cento melhores a cada dia. Sempre em direção à nossa “melhor versão”. O difícil é saber quem julga qual versão é a melhor e quais seriam os critérios utilizados. Porque se a gente observar bem, às vezes a pessoa não melhorou, ela só virou coach ou empreendedora de algo que ninguém sabe bem o que é…

Há momentos em que vale se perguntar: é determinação ou teimosia? Persistência ou falta de limite? Foco ou inflexibilidade? Qual é a fronteira entre ser perseverante e ser alguém que não aceita a realidade?

Nem tudo é uma chance única. E, mesmo que seja, pode não fazer sentido naquele momento. Às vezes o que se coloca como uma oportunidade imperdível não configura sequer uma oportunidade, se a gente avaliar com calma. E de imperdível muitas vezes não tem nada. Tem coisas que são bem perdíveis, isso sim. A gente é que é fominha demais, e se afasta do senso de prioridade. Tem muitas situações que dão apenas uma falsa sensação de movimento, de que estamos fazendo algo “útil”. O que parece obrigatório num mundo pautado pela performance em todos os âmbitos, que termina com a espetacularização dos nossos “feitos” e conquistas nas redes sociais.

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Sabemos que não podemos nos acovardar a cada desafio do corpo e da mente. Há missões inescapáveis, que se não forem cumpridas podem causar danos graves a nós mesmos e a outros. É isso ou isso. Quem tem filhos, então, nem se fala. No entanto, boa parte das nossas tarefas não é tão indispensável como muitas vezes pintamos. Ou, pelo menos, não é assim tão urgente.

Vivemos numa maratona infinita, em que a linha de chegada é uma promessa que nunca se cumpre. Uma miragem. E no meio dessa correria e dessa sobrecarga desenfreada, estamos todos exaustos. E muitos já deprimidos e adoecidos de diversas maneiras.

É um grande desafio – e muitas vezes uma dor imensa – aceitar nossos próprios limites e bancar o “não”. Acatar os fatos da vida, abrir mão de projetos e planos, termos sabedoria e humildade diante do que não controlamos, não damos conta ou perdeu o sentido diante das circunstâncias. E lidar com a frustração e a quebra de expectativa externa e interna. É doído, mas é necessário, e na verdade é inevitável depois de certo ponto. A vida se impõe, o corpo se impõe. E as emoções, claro. Vai ser por bem ou por mal.

Por que não podemos dar valor às pausas, aos recuos, aos silêncios, às recusas, às desistências? Por que precisamos ser implacáveis com tudo, inclusive com nós mesmos?

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O corpo está dando sinais claros de que está entrando em colapso diante de uma sobrecarga de exigências. Você precisa forçar a barra, infartar ou adoecer, pagar para ver? Quem faz isso é o mais sábio? O mais forte? Ou talvez apenas o mais estúpido? O mais imprudente?

“Tem que ir ate o fim”. Mas quem determina onde acaba? Nem tudo é preguiça, fracasso, falta de ambição ou de força de vontade. Às vezes é. Muitas vezes é. E muitas vezes não é. Às vezes é coragem, inclusive. E discernimento, sabedoria. E muitas vezes não importa. É o que a gente conseguiu fazer, o que a gente conseguiu ser.

“Não pode deixar a peteca cair”? Quem disse? A peteca cai e tudo bem. Quando der a gente busca. “Não pode esmorecer”. Pode sim. É parte de processos emocionais passar por fases sombrias de tristeza, de recolhimento, improdutividade e paralisação.

Não estou aqui numa campanha a favor da mediocridade, da falta de empenho, de excelência. Nem minimizando a importância de nos desafiarmos, de aprendermos, de buscarmos realizar projetos e sonhos, e de lutarmos por tantas causas importantes, sejam individuais ou coletivas. Mas vale lembrar que, mesmo os mais eficientes e determinados, vão precisar – cedo ou tarde – se deparar com suas limitações, físicas ou emocionais. Não há quem saia ileso da vida. Uma hora as estruturas são abaladas. E é preciso que a gente normalize e acolha os recuos, porque todos nós vamos precisar deles em algum momento.

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Na era do sucesso obrigatório, com critérios duvidosos, vale a pena um equilíbrio entre frases motivacionais, que possam servir de inspiração e desafio, e “desmotivacionais”, que possam trazer para a realidade e para a humanização.

Não, você não pode tudo. Não, nem tudo é possível.

E não, não estamos melhores a cada dia. Todos nós temos dias e fases melhores e piores, em todos os aspectos. Somos muitos em um só. Somos muitos em um dia só. E somos falhos por natureza. Conflitantes, paradoxais, complexos.

E assim vamos seguindo. Para frente, para trás, para o lado, para cima, para baixo. Vamos indo. Ou vindo… Ou nem vamos, dependendo do caso. Tem hora que ficar parado já é o bastante.

Seguimos sendo, não a melhor versão que inventaram (ou inventamos) que seria de nós. Mas, muito melhor, a versão real. Aquilo que dá, aquilo que foi, que é, que está sendo.

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