“Bandido não é vítima da sociedade”, diz psicanalista sobre megaoperação
"A criança que cresce num contexto emocionalmente pobre em valores éticos e estéticos não desenvolve sua capacidade imaginativa"
No romance “Cidade de Deus”, publicado em 1997, Paulo Lins faz um retrato das transformações sociais na favela: da pequena criminalidade dos anos 1960 à violência generalizada e ao domínio do tráfico de drogas nos anos 1990 — o que deu origem ao filme homônimo, lançado em 2002, ainda atual, como se vê hoje na TV e nas ruas.
Assim como no filme, baseado em fatos, as fileiras de corpos vistas na Praça da Penha nesta quarta (29/10), escancaram a realidade de crianças e adolescentes das favelas, que acabam entrando para o crime organizado. Ali, multiplicam-se os “Zé Pequeno” e “Dadinho” — jovens que crescem na violência.
Segundo o último levantamento da Prefeitura, 51% dos jovens entre 18 e 24 anos que vivem em favelas do Rio estão desempregados, e apenas 10% cursaram o ensino superior. Além disso, 60% chegaram ao ensino médio, e 11% desses jovens não passaram do quinto ano.
“A criança que cresce num contexto emocionalmente pobre em valores éticos e estéticos não desenvolve sua capacidade imaginativa — a capacidade de trocas simbólicas. Ela se torna vulnerável ao crime, ao ataque social e ao desprezo pela vida, sem condições de diferenciar o certo do errado, o bem do mal. Mesmo que tenha boa oferta educacional, colégios de qualidade e acesso à cultura, não será capaz de aproveitá-los”, diz o psiquiatra Arnaldo Chuster.
E segue: “Existe uma instância interna em todos nós que diferencia o certo do errado, o vivo do inanimado, o humano do desumano. Mas, caso essa instância não exista, cria-se um desastre psicológico cujas expressões são sempre a crueldade e a violência — comumente encontradas em mentirosos ou drogadictos. Bandido não é vítima da sociedade, pois a sociedade é uma entidade concreta, uma abstração que pode estar a serviço de discursos psicóticos. Alguém dizer que um traficante é vítima do usuário é uma inversão que só pode existir numa mente perversa e de má fé. O traficante trafica por dar ali vazão de sua crueldade e de sua incapacidade de ser! O usuário usa drogas por conta de angústias e solidão devastadoras. Ambos mentem, mas a destruição que o traficante produz é calculada e fria.”
Já pensadores e sociólogos como Darcy Ribeiro, Jessé Souza e Michel Foucault discordam dessa visão. Argumentam que, embora “sociedade” seja uma abstração, as estruturas sociais são bem concretas: pobreza, exclusão, racismo, desigualdade, e a falta de acesso à educação e ao trabalho.





