Velejando sob o vento da responsabilidade sociomabiental
Capitã do time brasileiro na Sail GP, a bicampeã olímpica Martine Grael comanda também práticas sustentáveis e inclusivas em águas e comunidades cariocas
Esporte, inclusão e responsabilidade ambiental formam um trio ascendente mundo afora. Atletas e equipes de ponta o impulsionam sob a bênção de patrocinadores empenhados em dourar reputações.
Assim navegam o Mubadala, time brasileiro na Sail GP, comandado pela bicampeã olímpica e campeã mundial de iatismo Martine Grael; e o bicampeão mundial de surfe Filipe Toledo. Transferem prestígio e influência ao desenvolvimento de práticas sustentáveis e inclusivas.
Duas entrevistas detalham esses reforços à vocação do esporte para a transformação cultural, comunitária, humana. A diretora de Marketing do Mubadala Brazil, Mariana Britto, explica por que a equipe está orgulhosamente entre as primeiras na competição de impacto positivo (Impact League).
Mariana também destaca o papel do Rio na empreitada. De quebra, Martine Grael, primeira capitã da Sail GP, traça um balanço sintético da temporada e dimensiona a expectativa quanto à estreia carioca na Fórmula 1 da vela, em abril de 2026.
Já Filipe Toledo conta como tem conciliado treinos, viagens e disputas inerentes a um surfista da elite com programas que unem compromisso socioambiental, diversidade, formação esportiva – em particular, Projeto Namascar e Kids on Fire. (O papo será publicado na próxima coluna.)
O que representa o ótimo desempenho na Impact League?
Mariana Britto : É um tremendo orgulho estarmos entre as equipes com melhores ações sociambientais e inclusivas. Isso gera tanto um reconhecimento internacional quanto um estímulo permanente para disseminarmos práticas sustentáveis.
Falando em estímulo, o primeiro lugar logo na etapa inicial, centrada no combate ao desperdício, impulsionou uma arrancada para as três fases seguintes dessa competição de impactos positivos?
A coleta de lixo na Baía de Guanabara foi nosso cartão de visitas. Temos nos engajado muito em iniciativas que reforçam a relação do esporte com a sustentabilidade e a transformação social.
Quais os efeitos tangíveis, simbólicos e educativos da faxina na Baía?
Ao lado da organização Nas Marés e da colônia de pescadores Z10, a gente coletou mais de quatro toneladas de lixo para reciclagem ou descarte. A limpeza, concentrada na Ilha de Pombeba, envolveu 40 pescadores locais, cuja subsistência tem sido ameaçada pela poluição plástica. A Baía de Guanabara é um símbolo do Rio e do Brasil. O desafio de limpá-la tem importância ecológica, socioeconômica, simbólica. Contribui ao desenvolvimento de uma cultura socioambiental empregada, em especial, na preservação dos mares.
Que outras ações seguiram esse curso?
Na segunda etapa da Impact League, foi a vez do programa Velejando com Sentido. Velejadores e treinadores deram aulas teóricas e práticas de vela adaptada, na Marina da Glória, a pessoas com deficiências visuais e auditivas. Fizemos também uma expedição às Ilhas Cagarras, a cinco quilômetros da praia de Ipanema, uma área reconhecida pela biodiversidade. Decifientes visuais perceberam a fauna marinha com o auxílio de tecnologias como hidrofones.
Embora concentradas nos oceanos, práticas socioambientais capitaneadas pela vela se estendem a comunidades costeiras afetadas com mudanças climáticas. Como isso se aplica no Rio?
É precisc integrar a agenda do clima a reflexões e soluções locais. Assim fizemos na terceira etapa, em parceria com Nas Marés e a ONG Favela Radical. Organizamos, no Morro do Turano, debates sobre justiça climática e incentivamos o uso de tecnologias simples e sustentáveis para atenuar impactos negativos do aquecimento global. Um mutirão pintou telhados com tinta térmica branca e instalou eco coolers, feitos de garrafas PET, nas janelas das casas. Essas soluções diminuem a absorção de calor e ajudam a resfriar os ambientes.
E a quarta etapa?
O foco foi a igualdade de gênero, que está no DNA do nosso time. Seis velejadoras de alta performance participaram de uma clínica, também no Rio, no fim de outubro, com treinos intensos coordenados pela bicampeã olímpica Martine Grael. Importante destacar que a Martine é a primeira capitã da Sail GP, à frente do catamarã F50, que ultrapassa 100km/h. O pioneirismo abre portas, estimula a participação feminina na elite do esporte.
Fora o reconhecimento internacional e a gratificação de ficar entre as equipes líderes em impactos positivos, qual o legado da alta performance socioambiental?
Essas ações contribuem para a construção de uma cultura sustentável e inclusiva. O engajamento da Martine inspira as novas gerações da vela, e de outras áreas, a assumirem compromissos ecológicos. Inspira também as meninas a sonharem alto.
Além do pioneirismo de primeira equipe sul-americana na principal competição de vela, e primeira com liderança feminina, como vocês avaliam, a uma etapa do fim da temporada, o desempenho esportivo?
Martine Grael: Tivemos um desempenho razoavelmente compatível à condição de time estreante numa competição de altíssimo nível. Ganhamos, até agora, duas regatas. A equipe é bem qualificada, mas encontramos dificuldades inevitáveis numa temporada de adaptação. A disputa exige condicionamento físico e psicológico apurado, constante, e muito entrosamento: várias coisas precisam funcionar perfeitamente ao mesmo tempo. Acredito que, em 2026, estaremos mais competitivos.
Por falar no próximo ano, a Sail GP ganha uma etapa carioca, em abril. Qual a expectativa para competir no Rio?
Martine: O Rio é meu lar, além de um cenário maravilhoso. A gente se sente em casa na Baía de Guanabara. É um estímulo extra interagirmos de perto com o público brasileiro e carioca.
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Mona Lisas do futebol
O menino devora hipnotizado a camisa histórica. “Foi do Roberto”, repete o pai.
Somem o burburinho de domingo no parque, a primavera de escudos, os estandes perfumados de lembranças. Somem a voz paterna e o tempo. Restam só o branco, a faixa, a cruz. Exalam eternidade.
Aceno igualmente irresistível vem da rubro-negro com a qual Zico arrebentou em 81. A manga conserva a marca do esparadrapo usado pelo capitão.
O inestimável estende-se à branca envergada por Rubens Galaxe na Máquina dos anos 70, uma seleção em verde, branco e grená. Tricolores de ontem e de hoje suspiram.
Não menos admirável é a Bola de Ouro conquistada por Marinho em 85. Merecidíssima. Jogava o fino o astro do Bangu vice-campeão nacional naquele ano.
A memória corre com eletricidade infantil e afeto maternal. Rodopia entre mantos sagrados, flâmulas, troféus, fotografias. Raiz na veia.
“Que maravilha!”, exclama o senhor fascinado com a antiga camisa do São Cristóvão. Clássica. Uma pintura.
Os corredores lotados transbordam menos saudade do que encanto. Costuram gerações.
Gente de várias idades, origens, filiações clubísticas se une em torno de histórias e personagens ali representados. Histórias envaidecidas, escrachadas, passionais. Curiosas, impossíveis, emblemáticas.
As preciosidades expostas são Mona Lisas à brasileira. Evocam nossa identidade cultural simbolizada pelo futebol.
“Têm alma verde-amarela. Por isso fazem sucesso”, orgulha-se o colecionador Luís Quedinho, pai da feira Geral, que alegrou sábado passado o Barra Garden. “A galera só saiu daqui dez na noite”, vibra.
Quedinho ensaia expandir esses encontros, apoiados pelo Museu da Pelada. A torcida se agita.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.





