O dilema da balança econômica no esporte
Indústria equilibra-se entre a vista grossa lucrativa e o risco de perder patrocinadores e consumidores alinhados à responsabilidade social
Invasão consumada, Polônia, República Tcheca e Suécia logo descartaram enfrentar a Rússia na repescagem da Copa. O assalto à Ucrânia ganhava o quinto dia quando a Fifa decidiu acompanhá-las.
O intervalo emite uma radiografia da indústria esportiva.
A relativa demora em suspender os russos das competições internacionais pode ser creditada à complexidade da guerra ou à geopolítica em xeque. Não seria exagero atribui-la, em especial, ao xadrez econômico do futebol globalizado.
Investimentos de várias origens movimentam 100 bilhões de dólares anuais no setor. Parte deles se deve ao cultivo de imagens. Há um século marcas associam-se ao esporte para polir reputações e relacionamentos de consumo. Impulsionada com a midiatização, a tática é seguida por empresas como a Coca-Cola, patrocinadora olímpica desde 1928, por personalidades, políticos, países.
Alguns vínculos miram lavagens morais ou financeiras. O portfólio inclui desde ligações com chefes do bicho, anistiadas no folclore do futebol brasileiro, até compras de clubes e torneios por oligarquias frouxas à idoneidade. Beneficiam-se da vista grossa seletiva.
O PSG de Neymar, Messi e Mbbapé está entre os casos emblemáticos. Pertence desde 2011 ao fundo de investimento soberano do Catar. Além de suspiros e receitas, agrega estima indireta ao emirado do Oriente Médio. O timaço adquire, por tabela, um papel estatal.
Polimento semelhante espera do Mundial a monarquia catariana, às voltas com denúncias de abusos contra mulheres, migrantes, homossexuais. Apontados por organizações como Anistia Internacional e Human Rights Watch, os vilipêndios jamais ameaçaram a escolha do país-sede. Tampouco despertaram boicotes. Nenhuma pedra no caminho da arrecadação estimada de US$ 6,4 bi.
Discursos de neutralidade camuflam a preponderância de conveniências comerciais e políticas controladas pelos regentes esportivos. O capital se desloca para manter o domínio da bolada.
Paradoxalmente vem do mercado a esperança de desintoxicação. Influenciados por consumidores com as mídias sociais em punho, patrocinadores se mostram menos tolerantes a práticas desfalcadas de responsabilidade socioambiental, governança, ética humanitária.
Pressões econômicas historicamente constituem um gatilho à mudança de rumo, nem sempre melhor. Ora rascunham o destino do planeta e das chuteiras.
A ordem esportiva encara o dilema entre a relativização lucrativa e o risco de perder prestígio, patrocínio, e o bonde da História.
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Caldeirão temerário
Partidas às quatro da tarde no verão carioca são triplamente cáusticas. Sacrificam a saúde dos jogadores, o conforto dos torcedores e o espetáculo.
O condicionamento apurado não livra atletas dos desgastes inerentes à atividade prolongada e intensa sob forte calor. No barato, prejudicam a performance esportiva e a qualidade do jogo. Desidratam o consumo.
Muito pior, claro, é o risco à segurança física dos competidores. Nenhuma conveniência comercial ou logística o justifica. Mantê-lo indica falta de sensatez, empatia e profissionalismo.
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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.