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Cristiana Beltrão

Por Cristiana Beltrão, restauratrice e pesquisadora de gastronomia e alimentação Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
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A língua que os chefs não falam

A desconexão entre criação e agricultura ainda é grande

Por Cristiana Beltrão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 jul 2024, 20h17 - Publicado em 17 jul 2024, 08h16
Fátima Anselmo, em sua produção de orgânicos
Fátima Anselmo, em sua produção de orgânicos (Bel Corção/Divulgação)
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Aos 11 anos, aprendi a falar outra língua. E confesso que foi muito útil.

Foi um privilégio poder conspirar na cara dos adultos, falar da vida dos outros pelas costas, confessar amores, fazer planos de dormir muito tarde ou combinar de assaltar a geladeira, sem que ninguém nos entendesse. Afinal, havia apenas duas pessoas em todo o mundo capazes de falar a “Língua da Taioba”: eu e Cinara.

O batismo do novo idioma veio dela, a minha melhor amiga, uma paulista de Mirandópolis, interior de São Paulo. Por que taioba? Porque tinha um nome engraçado e ninguém conhecia bem.

É fácil ser fluente quando a gente explica a lógica: basta trocar o “a” pelo “i” e o “e” pelo “o”, e vice-versa. Mas ninguém entendia nada e, dias depois da fundação do novo idioma, lá estávamos nós, tagarelando em velocidade surpreendente:

– Vicô via lí pri cisi, hejo? (Você vai lá pra casa, hoje?)

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– Veu! (Vou!)

Era incrível.

Lembrei disso com alegria infantil em minha visita à produção de Fátima Anselmo, Mulher-Maravilha por trás da maior horta orgânica do Rio de Janeiro: a “Orgânicos da Fátima”, na Barra da Tijuca.

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Fátima, cearense que se mudou para Petrópolis e começou por lá sua produção de orgânicos, perdeu tudo nas chuvas de 2011 e decidiu deixar a serra fluminense. Desde então, fez brotar na Barra um pequeno império sustentável, feito de cestas orgânicas que distribui por toda a cidade com o que de mais fresco a horta lhe entrega no dia, incluindo PANCs (plantas alimentícias não convencionais) que não se vê pelas feiras.

Seus brotos e flores comestíveis fazem imenso sucesso, especialmente em restaurantes japoneses, e fico feliz de ver que sua marca está alcançando casas de referência em outros estados, como a Santa Luzia, em São Paulo.

Como seu faturamento vem, em grande parte, de restaurantes, engatamos num papo sobre a discrepância entre o que os chefs querem e o que a terra dá. “O que me enlouquece é insistirem num bando de coisas que não são a vocação da região, como abobrinha italiana ou alface americana. Eu só queria que alguém comprasse taioba. Ninguém nem sabe o que é.”, diz Fátima.

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A desconexão entre a criatividade dos chefs e a vocação da terra ainda é grande. O Estado do Rio tem vocação para folhosas e a maioria parece não saber disso.

Há 20 anos, uma amiga cozinheira de São Paulo disse que nunca viu rúculas tão saborosas ou imensas quanto as do Rio. E nossas couves, bertalha? Nem se fala. Aliás, quando foi a última vez que você viu ora pro nobis num cardápio? Não, não dá só em Minas. É interessante, abundante e deliciosa, mas a gente acha mais interessante falar de bok choy.

Além das folhosas, o Rio tem vocação para aipim, batata-doce e flores de todos os jeitos, mas seguimos esnobando coisas nossas.

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Lendo um relatório de tendências, descobri que parece que goiaba será “trend”. Aqui no Brasil, quando a coisa vira “trend”, aí sim a gente adota. Espero que um dia isso mude.

Suspirei, me despedi e fiquei com vontade de ligar para a minha amiga e dizer: “Caniri, ache quo a tiaebi centanui sonde umi lingui sé nessi” (Cinara, acho que a taioba continua sendo uma língua só nossa…).

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