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André Heller-Lopes

Por André Heller-Lopes, diretor de ópera Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
A volta do Dito Erudito
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CDA e TMRJ: uma parceria tão maravilhosa quanto a cidade?

Começamos 2024 escutando Clara Paulino e Daniela Santa Cruz, mulheres à frente dos dois mais importantes equipamentos culturais do Rio.

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Atualizado em 17 jan 2024, 13h55 - Publicado em 16 jan 2024, 13h46
Daniela Santa Cruz e Clara Paulino, presidentes da Cidade das Artes e do Theatro Municipal
Daniela Santa Cruz e Clara Paulino, presidentes da Cidade das Artes e do Theatro Municipal (divulgacao/Divulgação)
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Mal começou o verão e o calor traz aquele “desânimo gostoso” — ou antes, um ânimo para deixar tudo para depois e aproveitar a vida nessa que é a maravilhosa cidade do Rio de Janeiro. No mundo das artes, uma grande cantora lírica costumava falar de uma “depressão de verão” que acometia músicos todos os anos, bastava chegarem os meses de dezembro, janeiro e fevereiro e a extinção da maior parte de todos concertos, óperas, espetáculos de dança e atividade cultural em geral. Talvez hoje a situação esteja melhor, com espetáculos até vésperas de Natal e Ano Novo, ou iniciando parcimoniosamente já em fevereiro. Claro, numa cidade com a vocação para o turismo como Rio de Janeiro, e com a proclamada vontade de termos números cada vez maiores de visitantes, fica ainda um pouco incompreensível que não haja um investimentos em algo como concertos ao ar livre ou mesmo uma especial “temporada de verão” — mas isso é assunto para outra coluna…

O Dito Erudito resolveu fechar o ano de 2023 e dar boas vindas a 2024 colocando ‘frente à frente’ o Theatro Municipal e a Cidade das Artes, equipamentos culturais dos mais importantes para o Rio de Janeiro. O primeiro, um espaço centenário que está no coração de todos os cariocas, nasceu abrigando companhias de ópera e balé internacionais, assim como orquestras de renome que passavam pela cidade (e recebeu também marcos do teatro nacional, como a estréia da peça “O Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues); sua vocação primeira, original, é justamente poder dar acesso à música (dita) erudita, ao balé clássico e à ópera, que, além de não gozarem da mesma entrada na mídia e no mercado que os gêneros mais ‘pop’, somente alí contam com as condições ideais para sua mais plena realização: uma vocação original que, em verdade que garante a diversidade, o acesso de todos à todos os tipos de arte. Já o ‘irmão mais novo’, jóia da Barra da Tijuca, nasceu como “Cidade da Música” e anunciado para ser originalmente a sede da Orquestra Sinfônica Brasileira, com salas para ensaios indivduais de instrumentos e um projeto de arquitetura e acústica que fazem daquele um dos melhores espaços em toda América Latina, contando além da Grande Sala com espaços especialmente pensados para dar voz à música de câmera ou eletro-acustica, além de exposições, cinema etc; apesar de ter sido rebatizado de “das Artes” e ampliado seu espectro de oferta cultural ao longo de uma década de existência, leva ainda a fama — muito injusta! — de “elefante branco” que corre atrás de redimir ao mesmo tempo que busca sua identidade artística. Coincidentemente, estes dois equipamentos são hoje geridos por mulheres de personalidades fortes — uma tradição pelo feminino da cidade com nomes como Dalal Achcar, Myrian Daueslberg, Helena Severo, Carla Camurati, para c citar apenas alguns mais recentes. A coluna propôs a Daniela Santa Cruz e a Clara Paulino as mesmas perguntas e deu toda liberdade de resposta, sem edição. Abaixo, o resumo da ópera: com elas, a palavra:

1) O Rio de Janeiro tem uma feliz tradição de mulheres à frente de equipamentos culturais. Acho que poderíamos começar “apresentando” o equipamento sob sua tutela, que tal?

Daniela – “Sei que sou suspeita, mas a Cidade das Artes Bibi Ferreira deveria estar na lista de locais a visitar de todo carioca e de todos que visitam nossa cidade. As salas de espetáculo de 1.200, 430 e 120 lugares têm qualidade e conforto únicos, acústica perfeita, além de equipes de alto gabarito técnico. E não é só: temos praça de eventos, jardins para shows e piqueniques, salas multiuso, galerias de arte, sala de leitura e de ensaios, restaurante e somos a casa da Orquestra Sinfônica Brasileira. Estamos realocando algumas das muitas obras de arte que recebemos para criar um jardim de esculturas e instalações e possibilitar maior acesso do público a essas obras e pretendemos criar um parquinho para crianças.”

Clara – “Pensar no Theatro Municipal é pensar em um patrimônio não só do Estado do Rio de Janeiro, mas um patrimônio nacional. O Theatro é uma referência nas artes e cultura, símbolo de um momento de modernização do nosso país e com inúmeras curiosidades e fatos marcantes em sua história. Construído em 1909, ou seja, com 114 anos, o prédio representa um marco da identidade cultural do Rio de Janeiro, sendo um símbolo da revitalização da cidade e da arquitetura eclética. Recebemos uma média de público anual de 160 mil pessoas, distribuídas pela programação artística, visitas guiadas e outras atividades. Além disso, possui corpo artístico próprio, que é a alma desta casa e que permite que tenhamos programação própria para oferecer (óperas, concertos, balés etc).”

2) A presidência de uma fundação cultural desse porte impõe desafios enormes, imagino – que são diferentes, hoje, dos vividos pelas mulheres gestoras que vieram antes de você. Como você se vê neste contexto e quais os planos para a Fundação? Qual seria a sua assinatura, o seu desejo de legado?

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Clara – “Os desafios são enormes e se renovam com o passar do tempo, todavia, existem certezas que para um gestor são constantes. Isto é, a preservação e manutenção do espaço para dar estrutura a equipe e conforto ao público, mantendo, entretanto, as características originais deste bem tombado. Um grande exemplo disso é a questão da acessibilidade; o Theatro não foi construído pensando neste público e hoje em dia vamos gradativamente adequando o prédio para todos, criando assentos para obesos, cadeirantes e utilizando práticas em nossos espetáculos como linguagem em libras e áudio descrição. Além disso, também temos que pensar sempre na equipe deste local, dando condições de trabalho, uma vez que temos profissionais extremamente qualificados e que precisam ser valorizados. É um trabalho de escuta constante e tentativas. Eu, enquanto gestora, luto pela democratização de acesso do Theatro, fazendo com que os fluminenses entendam que este é um espaço de todos nós e que a arte e a cultura devem ser consumidas plenamente. Outro desafio é fazer com que o Theatro volte a ter produções próprias, com figurinos, cenários e coreografias desenvolvidas na casa e que podem ser não só repetidas, como itineradas.”

Daniela – “Os maiores desafios hoje são ligados à mobilidade urbana e um desinteresse pelo que é mais denso. Os novos BRTs amarelinhos, que param na nossa “porta”, geraram um aumento de público de outras localidades e já conseguimos trazer espetáculos teatrais que antes não tinham a Barra como destino. Nossa pauta da Grande Sala já está praticamente fechada para 2024, as produções entenderam que podem nos procurar, que estamos de portas abertas. Esse é um legado que buscamos. Além do cuidado com a curadoria, temos trabalhado em questões de infraestrutura, na busca de parceiros para viabilizar projetos maiores para alguns espaços, na preparação de editais de ocupação, reorganização do fluxo de veículos, melhoria da sinalização de rua e interna e na reorganização e aperfeiçoamento dos contratos e documentos. Vamos reservar um período do início do ano para um grande trabalho de manutenção, além das melhorias que fizemos ao longo de 2023. Isso traz segurança para os usuários e para as produções e tenho certeza que qualquer gestão futura vai gostar de receber esse legado.”

3) Todo equipamento cultural brasileiro cuja vocação (original ou principal) sejam as artes acaba inserido no debate sobre democratização, elitismo, acesso e estímulo. Como você imagina que a Fundação gostaria de ser entendida pela população do Rio de Janeiro? Como atrair mais público?

Daniela – “A população precisa entender que a Cidade das Artes é dela. Exatamente por suas dimensões e investimento feito, nossa obrigação é aumentar sua utilização como um espaço de promoção da cultura e da arte e de convivência para a população, com muita diversidade, inclusão e incremento de temas transversais. Meu intuito ao aceitar o convite do Prefeito Eduardo Paes era devolver ao Rio o que essa cidade fez por mim e pela minha família. Devolver em trabalho meu privilégio. Ajudar na retomada da Cultura após o desmonte que ela sofreu. Por isso, nossa gestão foca na democratização do espaço tanto para o público, quanto para os artistas, colocando a Cidade das Artes à disposição da população para fazer valer os direitos culturais e de lazer a que todos os cidadãos brasileiros têm direito. A política pública para as artes precisa da criação de caminhos mais justos. Exatamente por isso, pela primeira vez na história da CDA, lançamos um edital nacional para cessão de pauta, sem aporte financeiro, a projetos artísticos-culturais. Com isso, esperamos receber o maior número de projetos de todo o país para montarmos uma programação anual diversa e representativa da cultura nacional. Basta procurar o edital no nosso site e se inscrever. Nossa área de Arte e Conhecimento é responsável pela realização de diversos eventos gratuitos, onde recebemos alunos de escolas públicas e ONGs para participar de rodas de leitura, oficinas e para assistir os espetáculos. Buscamos uma programação voltada para todas as classes sociais, gêneros e idades. É uma alegria receber um show de charm, de samba, produções teatrais de grupos da Zona Oeste, o Jongo da Serrinha e também oferecer ao público shows de fado, orquestras, a Rio2C e grandes musicais. Diversificar é democratizar.”

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Clara – “Este debate deve ser constantemente pensado. Apesar de o Theatro ter sido construído visando o atendimento a um público mais elitizado, os tempos são outros e somos uma instituição pública. Portanto, devemos democratizar e facilitar o acesso a esse equipamento. Isso não quer dizer que não tenhamos de trabalhar ou fornecer espetáculos ligados a nossa expertise, como óperas, ballets e concertos sinfônicos.  Quando falamos de democratizar acesso não significa apenas distribuir ingressos gratuitos ou a preços populares, pois isso já é uma realidade. Hoje o setor de formação de plateia entrega pelo menos 220 ingressos gratuitos por apresentação para instituições públicas. Acredito que garantir o acesso não é o suficiente; precisamos fazer com que o público compreenda tais obras. Por isso, atualmente fazemos referência a temas relevantes, como: preconceito racial e feminicídio etc. Além disso, temos realizado diversos projetos com o público infantil e jovem, de maneira que vir ao Theatro se torne um hábito, que nem sempre foi desenvolvido. Temos parcerias com universidades, o projeto escola, visitas temáticas e a ocupação de outros espaços do Theatro Municipal de forma a tornar a instituição cada vez mais dinâmica e próxima da população. Tais ações têm surtido um efeito significativo, fazendo com que tenhamos espetáculos cheios e uma demanda maior do público por títulos e projetos. Desejo muito que cada vez mais o Theatro ocupe seu local de referência.”

Uma pergunta para Daniela Santa Cruz, Presidente da Fundação Cidade das Artes:

A Cidade das Artes é um equipamento relativamente novo. Há partes do projeto original a serem terminados ou que nunca puderam ser inaugurados? Caso positivo, há algum plano de colocá-los para funcionar ou adaptar?
“São 10 anos de funcionamento e existe uma área não inaugurada, onde seriam construídas salas de cinema. Estamos trabalhando para finalizar essa área através de parcerias para a ocupação adequada do espaço sem perder a vocação do complexo. Além disso, temos adaptado diversas salas para utilização diferente do que foi inicialmente pensado no projeto.”

Uma pergunta para Clara Paulino, Presidente da Fundação Teatro Municipal do Rio de Janeiro:

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A FTMRJ anunciou recentemente a troca dos estofados da sala de espetáculos; treze anos depois de uma grande reforma, quais são as melhorias que o equipamento já demanda? Além da platéia qu outras obras estruturais estão nos seus planos — palco, técnica, bastidores, anexo?

“O Theatro é um patrimônio, mas também um espaço vivo, que requer manutenção constante para sua plena utilização. Desde que cheguei já realizamos inúmeros serviços, como reparo das varas manuais, sistema de ar-condicionado, sistema de incêndio, elevadores, troca de carpetes, cortinas; atualmente reforma dos estofados dos assentos e cadeiras. Outra melhoria que será executada é um projeto aprovado na lei de incentivo federal para revitalização completa do palco, reparos das marquises externas, além dos serviços gerais de pintura e impermeabilização. E neste caso, quando falamos em Theatro, devemos pensar em todas as suas unidades (centro técnico de produção em Inhaúma, prédio anexo com salas de ensaio, administrativo e EEDMO, Gamboa e prédio principal).”

Para terminar, propus à Daniela e Clara que ambas fizessem uma pergunta ao que chamei de “equipamento-irmão”. Numa cidade como Rio de Janeiro, em que ainda temos uma quantidade relativamente pequena de espetáculos líricos, música de concerto e espetáculos de dança (especialmente o balé clássico e a ópera), não seria um sonho impossível que programações nascidas na Barra da Tijuca migrassem para a Cinelândia e vice-versa. Propositadamente, deixo em aberto aqui a pergunta que uma fez à outra, na esperança de que o dialogo já existente torne-se cada vez mais forte e materialize parcerias:

Clara, Que pergunta você gostaria de fazer para a Cidade das Artes, equipamento-irmão da FTMRJ?
“A Cidade das Artes e o TMRJ, assim como outros equipamentos culturais, teatros e museus, têm como um dos seus desafios a renovação do público. O que a instituição tem feito neste sentido?”
Daniela, que pergunta você gostaria de fazer para a Fundação Teatro Municipal, equipamento-irmão da CDA?
“Equipamento-irmão mesmo. Temos muitas trocas com o Diretor Eric Herrero. Como tornar as práticas de formação de plateia mais eficazes”

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Obrigado pela entrevista, desejamos, eu o Dito Erudito em excelente 2024 ao Theatro Municipal e à Cidade das Artes, assim como a suas gestoras!

André Heller-Lopes,
Encenador e especialista em óperas, duas vezes Diretor Artístico do Municipal do Rio,
é Professor da Escola de Música da UFRJ.

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