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Táxi ou Uber? Problemas com apps de transporte dão gás aos amarelinhos

Com alta de preços e piora dos serviços dos aplicativos, táxis voltam a ser opção para uma parcela da população que tem tudo para se beneficiar com disputa

Por Carolina Barbosa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 15 jul 2022, 11h42 - Publicado em 15 jul 2022, 08h00
Abre Taxi
 (DigitalVision/Getty Images)
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De tão corriqueira, a cena virou piada e ganhou memes dos mais variados calibres nas redes. Uma amostra é o bem-humorado vídeo publicado pelo influenciador digital Raphael Vicente, que já ultrapassou as 235 000 visualizações e os 2 300 comentários só no Instagram. Em Já Se Humilhou pra Pedir Seu Uber Hoje?, ele e a família narram uma competição batizada de “Não Me Cancela”. Vence quem conseguir primeiro um carro por aplicativo na porta de casa. Em tom de comédia, a postagem gerou identificação imediata com uma farta audiência ao retratar a via-crúcis que cada vez mais cariocas têm experimentado para conseguir se deslocar pela cidade por meio dos apps de transporte. “A repercussão foi tão grande que tive a certeza de que não acontecia só comigo”, conta Raphael, morador da Zona Norte. A epopeia dele e de seus parentes é vivida por um público amplo e diverso, às voltas com situações cotidianas comuns na vida pós-pandêmica. Para essa multidão que sai para estudar, trabalhar, se divertir, ir de lá para cá a bordo de um Uber ou de um 99 se tornou um teste de paciência. Cientes de seus gargalos, as empresas tentam reagir para frear a perda de clientes.

O 'influencer' Raphael Vicente: o Uber demorou a chegar, mas o vídeo viralizou rápido -
O ‘influencer’ Raphael Vicente: o Uber demorou a chegar, mas o vídeo viralizou rápido – (Hermes de Paula/Divulgação)

Desde que os carros por aplicativo aportaram nestas praias, há quase oito anos, chacoalhando o monopólio dos táxis e criando um novo jeito de se locomover, jamais se registrou tamanha insatisfação com eles. As comodidades, que no princípio abarcavam praticidade, preço competitivo, garrafinhas de água, balinhas sortidas e gentileza à moda antiga, foram rareando em meio à disparada do preço dos combustíveis e à queda na qualidade do serviço. E eis que os táxis, para os quais a chegada dos apps significou um baque e tanto, encontraram espaço para voltar a circular com mais força pela cidade. De acordo com um levantamento feito pelo aplicativo Vá de Táxi (sim, agora eles também podem ser acionados nas telinhas de celular), que aglutina 20 000 motoristas cadastrados no Rio, o volume de corridas subiu 132%, comparando os cinco primeiros meses de 2021 com os de 2022. Percorrendo a mesma curva, o Sindicato dos Taxistas Autônomos do Município do Rio de Janeiro (Stamrj) relata um aumento de 80% no movimento diário. “A categoria está vibrante, saindo fortalecida desta crise”, diz Vagner Monteiro, diretor de comunicação do sindicato.

Primeira viagem: Alexandre Rezende tem recebido clientes que nunca andaram de táxi -
Primeira viagem: Alexandre Rezende tem recebido clientes que nunca andaram de táxi – (Leo Lemos/Divulgação)

O retorno de uma parcela da população ao bom e velho táxi vem sendo motivado por um fator decisivo: a já mencionada escalada no valor dos combustíveis atingiu em cheio o preço dos aplicativos, antes substancialmente mais baratos, o maior de todos os seus diferenciais competitivos. Em 2021, a alta da gasolina alcançou 46%, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), e a do etanol, 59%. Em solo fluminense, o cenário ganha contornos ainda mais dramáticos — o estado oferece o litro mais caro do Brasil, 20% a mais, em média, do que em outras praças do país. No que diz respeito ao gás natural, adotado por grande parte dos motoristas, o panorama não se altera muito. Em maio, o GNV subiu 20% nas bombas dos postos cariocas. E, como esperado, a elevação de custos foi repassada aos passageiros, o que está impulsionando muita gente a fazer as contas antes de chamar um carro por app, sobretudo nos horários de pico, os mais inflacionados. “Em uma sexta à tarde, precisava ir para casa, em Copacabana, saindo do Leblon, uma corrida que normalmente custa no máximo 18 reais. Estava dando 40. Peguei então um táxi no ponto e não gastei nem a metade”, lembra o hoteleiro André Loyola, 34 anos, representante da Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil, que compõe a turma que agora pesquisa, pesquisa, até finalmente fechar a corrida.

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Horário de rush: André Loyola comparou e pagou mais barato no táxi -
Horário de rush: André Loyola comparou e pagou mais barato no táxi – (Leo Lemos/Divulgação)

arte taxi

Diferentemente dos táxis, que têm uma tabela fixa a cumprir, variando entre a bandeira 1 (dias de semana entre 6h e 21h e aos sábados) e a 2 (das 21h às 6h e nos domingos e feriados), os carros por aplicativo estão sujeitos à chamada “tarifa dinâmica”, uma lógica que obedece à lei fundamental da oferta e da demanda. Na prática, se há muitos passageiros à espera de corridas e poucos carros disponíveis, o preço se eleva automaticamente. Ao final de eventos, quando a concentração de público em busca de transporte dispara, dá-se um rápido aumento das cifras pedidas por uma viagem. “Pedi um Uber na saída de um show na Marina da Glória e estava 120 reais. Arrisquei um táxi, sem saber muito bem quanto ia dar, e paguei 80”, relata a veterinária Raphaela Lobo, que tinha como destino a Barra da Tijuca. “Fora que não tive de ficar esperando vinte, trinta minutos até o motorista chegar”, acrescenta. Além da saída de festas e eventos, os preços (para lá de) dinâmicos costumam inflar também em certos dias e horários: os piores, do ponto de vista do passageiro, são sextas e sábados, principalmente entre 18h e 19h (veja no quadro).

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Taxi.Rio: corridas pelo app cresceram 89% -
Taxi.Rio: corridas pelo app cresceram 89% – (Michel Filho/Prefeitura do Rio de Janeiro)

Os preços mais salgados — que encareceram 26% em 2021 — se juntam a uma outra aflição que ascende entre quem pede um carro por app: leva-se mais tempo hoje para conseguir um motorista. A razão é que, do outro lado do aplicativo, os condutores passaram a selecionar criteriosamente as corridas, colocando mais fermento no rol de insatisfações. O cálculo é: se a rota até o usuário for longa e o trajeto com ele a bordo, curto demais, ou ainda se o destino final não for farto em procura e vai deixá-lo ocioso, sem clientes na volta, ele declina. Daí os sucessivos cancelamentos. Os motoristas têm suas explicações. “Se colocarmos na ponta do lápis o IPVA, o combustível, a manutenção do carro e a taxa de repasse para as plataformas, que pode ultrapassar os 40%, não há outro caminho senão ser estratégico na escolha das viagens. Do contrário, acabamos no prejuízo”, reconhece Denis de Paula, 44 anos, criador do canal Denis Motorista de Aplicativo, no YouTube, onde dá dicas a colegas e discute os problemas que afetam o segmento. Para efeito de comparação, ele estima que, se antes rodava de seis a oito horas por dia para faturar 500 reais brutos, atualmente precisa ficar entre doze e quinze horas ao volante para ganhar o mesmo. “E muitas vezes eu nem atinjo esse valor.”

Corridas escolhidas: estratégia de Denis de Paula para não sair no prejuízo -
Corridas escolhidas: estratégia de Denis de Paula para não sair no prejuízo – (Leo Lemos/Divulgação)
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Naturalmente, em se tratando de assunto que toca o dia a dia das pessoas, as queixas aumentaram — e não foi só na internet. O caldeirão de reclamações chegou ao Procon Carioca, onde, no último ano, elas mais que dobraram em relação a 2019. Entre as principais, está a espera esticada pelo motorista — em tempos passados, de cinco a dez minutos, hoje podendo alcançar uma hora em casos extremos. Há ainda situações em que o passageiro contabiliza seguidas desistências para uma única viagem, pesadelo pelo qual passou o cientista da computação peruano Nollan Montalvo, 43 anos, há mais de duas décadas radicado no Rio. Defensor de uma vida sem automóvel próprio, ele sempre foi um daqueles usuários convictos de aplicativos. Com tantos cancelamentos — já pelejou mais de uma hora e meia para embarcar — e diante da queda na qualidade dos carros, descobriu o Taxi.Rio Cidades, aplicativo da prefeitura que congrega taxistas que rodam pelas ruas cariocas, onde os descontos variam entre 10% e 40%, e é possível ver quantos veículos estão disponíveis em cada categoria de preço. “Como muita gente, não tinha uma imagem boa dos táxis. Sou estrangeiro e volta e meia era enrolado nas corridas, mas eles acabaram virando minha primeira opção, especialmente para trajetos curtos e médios”, diz.

Curiosamente, os táxis estão ganhando vida nova justamente com o empurrão das ferramentas digitais, que residem na base do negócio dos aplicativos de transporte, com os quais competem. Elas agora auxiliam, também no caso dos amarelinhos, as chamadas dos passageiros. As tarifas cobradas pelos taxistas pouco sofreram reajuste (apesar de continuarem em média mais caras), o taxímetro roda sem surpresas e, em favor deles, pesa o fato de conhecerem bem os caminhos e poder circular pelas faixas exclusivas dos ônibus — uma vantagem para escapar dos engarrafamentos. “Diante da concorrência dos aplicativos, os taxistas saíram da zona de conforto, melhoraram o atendimento, o serviço, ficaram mais zelosos e investiram em seus carros”, pontua o deputado federal Pedro Paulo Carvalho, ex-secretário municipal de Fazenda e Planejamento, à frente da bem-sucedida expansão do aplicativo Taxi.Rio Cidades, cujo número de corridas realizadas avançou 89% no primeiro trimestre deste ano em relação ao de 2019. “Tenho notado um fluxo de passageiros muito interessante — desde aquele que nunca havia experimentado o serviço até o usuário original, que à beira da calçada levanta o braço para fazer sinal e chamar o carro”, entusiasma-se Alexandre Rezende, 50 anos, há treze na praça. “Se antes vinha trocando o almoço pela janta para garantir a renda, no momento estou mais tranquilo: maio foi o primeiro mês que fechei com as contas em dia”, diz o motorista, que viu o número de viagens diárias dobrar e tem contado umas vinte por turno.

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Eles contra-atacam: aplicativos investem em novas ferramentas -
Eles contra-atacam: aplicativos investem em novas ferramentas – (./Divulgação)

Ainda que o sindicato observe um crescimento na procura de motoristas autônomos dos apps querendo migrar para o táxi — “Está faltando autonomia para tanta gente pedindo”, garante Monteiro —, o duelo com os aplicativos não dá sinais de arrefecer, uma vez que eles também estão se mexendo para se manter competitivos e não ficar para trás. No contra-ataque, as empresas vêm investindo em serviços e ferramentas para melhorar a experiência de condutores e passageiros. Para além de auxílio-combustível e subsídios para instalar o kit gás, a 99, criada no Brasil em 2012, afirma ter reajustado o ganho que cabe aos motoristas entre 10% e 25% e, em horários e locais específicos, começou a repassar o valor integral do percurso. Em prol da segurança, implantou câmeras internas nos carros e oferece a possibilidade, caso ocorra algum problema, de o viajante requisitar uma gravação de áudio da corrida no próprio celular. Fundada em 2009 na Califórnia, e desde 2014 em terras cariocas, a Uber, por sua vez, baixou um pacote de medidas para ajudar a mitigar os custos para os condutores e colocou novos recursos à disposição. Em parceria com a Polícia Militar do Rio, concebeu o botão “ligar para a polícia”, já em projeto-piloto na Baixada Fluminense, com o objetivo de, em situações de perigo, fornecer em tempo real a localização e os dados da viagem. O gigante americano lançou em 2020, em São Paulo, a modalidade Uber Taxi, na qual os “amarelinhos paulistanos” podem prestar serviço por meio do app, e anunciou que integrará todos os yellow cabs de Nova York à sua plataforma, transformando rivais em parceiros. A corrida por um lugar ao sol nas ruas cariocas está longe de acabar — e isso é bom. Ao que tudo indica, quem sairá ganhando é o passageiro.

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