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Sucata no caminho

Carros velhos com manutenção precária são a principal causa de congestionamentos na cidade. Só na Linha Amarela, é registrada uma média de 55 enguiços a cada dia

Por Caio Barretto Briso
Atualizado em 5 jun 2017, 14h47 - Publicado em 28 out 2011, 18h09
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transito-abre.jpg (Redação Veja rio/Divulgação)
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Lataria enferrujada e desconjuntada, luzes de freio ou direção queimadas, pneus carecas e fumaça indicando um motor em estado avançado de deterioração. Em pleno século XXI, carros com as características acima continuam a rodar (ou melhor, a se arrastar) pelas ruas do Rio. Evidentemente, não há nada de charmoso nisso. Além de representarem um risco à segurança de motoristas e pedestres, tais sucatas ambulantes estão diretamente ligadas à piora nas condições de trânsito na cidade, onde 60% dos veículos têm mais de dez anos de uso ? a maioria em precário estado de conservação. Quem dirige já viu a cena. Sem manutenção adequada, calhambeques enguiçam copiosamente pelas avenidas, provocando todo tipo de transtorno, inclusive a quebra de vários outros “irmãos” de idade. As estatísticas da CET-Rio são espantosas. Na Linha Amarela, a principal ligação entre a Barra da Tijuca, a Zona Norte e a Ilha do Fundão, foram registradas 1?650 panes apenas em setembro ? uma média de 55 por dia. No Túnel Rebouças, artéria que liga a Zona Sul ao Centro e à Zona Norte, ocorreram 516 casos. Quase um por hora. “Vivemos um sério problema de saturação viária. Esse número enorme de automóveis em situação lastimável só piora o cenário”, diz o secretário municipal de Conservação e Serviços Públicos, Carlos Roberto Osório.

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Desde o início do ano, as autoridades de trânsito registraram 60?000 ocorrências que demandaram algum tipo de socorro ? ou seja, provocaram a interrupção de pelo menos uma faixa de tráfego. Trata-se de um vasto leque de incidentes que abrange de colisões a atropelamentos, passando por pane causada por falta de combustível. Entre todos os indicadores, os enguiços são maioria absoluta: eles correspondem a 42?200 registros, ou 70% do total. Para entender o tamanho da dor de cabeça provocada por essa situação, há um dado elucidativo. Pelos cálculos da CET-Rio, a obstrução de uma via importante por apenas quinze minutos resulta em pelo menos 3 quilômetros de lentidão. Tudo piora pelo fato de as ruas e avenidas da cidade estarem encravadas em uma topografia acidentada, onde não costumam existir rotas de fuga para os motoristas em caso de retenção. Na prática, significa que, se um automóvel pifar na Lagoa-Barra e o socorro demorar, digamos, 45 minutos, haverá um impacto direto no trânsito da Gávea, Jardim Botânico, Humaitá e Botafogo. Caso a paralisação bloqueie uma faixa do Rebouças, a capacidade do túnel cairá em mais de 30%. “Dependendo da demora na solução do problema, um carro quebrado no túnel no sentido Lagoa pode afetar o trânsito em Niterói”, explica o diretor operacional da CET-Rio, Joaquim Dinís.

Dado o perfil do mercado e da indústria automobilística brasileira, um carro hoje co­meça a mostrar os primeiros sinais de obsolescência a partir de quatro anos de uso. É quando passa a ser necessária a reposição de peças e componentes desgastados. Decorridos dez anos, a situação se agrava drasticamente, com visitas ao mecânico cada vez mais frequentes. Recauchutagens básicas, que envolvam troca de pneus, revisão de suspensão, substituição de pastilhas de freios e escapamento, não saem por menos de 1?500 reais, uma soma alta em se tratando de veículos cujo valor gira em torno de 10?000 reais. “Com o passar do tempo, manter um carro velho impecável deixa de valer a pena do ponto de vista econômico, porque o investimento dificilmente será recuperado”, diz Nilton Monteiro, diretor da Associação de Engenharia Automotiva (AEA). Nessa faixa, a revenda torna-se cada vez mais penosa, com a contínua desvalorização. Qual é a solução? Para a maioria, simplesmente garantir o mínimo de condições para que o veículo continue rodando, mesmo que de forma precária. “O dono costuma deixar a manutenção de lado quando o carro envelhece. Aí a relação é direta: menos reparos implicam maior probabilidade de haver enguiços na rua”, diz Ronaldo Balassiano, professor de engenharia de transportes da Coppe/UFRJ.

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Manter um veículo antigo na garagem só faz sentido para uma categoria bem específica de proprietários: a dos colecionadores. Apaixonados por automóveis, eles conservam suas máquinas impecáveis, do estofamento ao motor, passando pelos frisos do painel e maçanetas das portas. Não se importam com o valor de mercado ou com o que os outros pensam de seus carrões ? ou banheiras, dependendo do ponto de vista. Mas sabem identificar pelo rugido do motor quando chega a hora de trocar uma peça ou fazer uma revisão. O advogado Jose Candido Muricy Neto, 77 anos, é dono de um LaSalle 1939, máquina poderosa produzida por uma das divisões da General Motors nos Estados Unidos. Ele acaba de voltar de uma viagem em que dirigiu o bólido por 7?000 quilômetros, do Rio a Buenos Aires, somando a ida e a volta. Poucos anos atrás, levou de navio a relíquia para um passeio pela Europa. Os vínculos com o carro, comprado por seu pai, são fortíssimos: Muricy pilotou o possante pela primeira vez quando tinha apenas 15 anos de idade. “O bom proprietário conhece a máquina intimamente. Aprendi toda a mecânica com meu pai. Ele sempre fazia as revisões em casa”, recorda. “Qualquer automóvel moderno para mim é descartável. Os carros novos têm uma obsolescência programada. São feitos para não durar.” Seu amigo Roberto Ruschi, presidente do Veteran Car Club, o clube de amantes dos motores de outrora mais antigo do Brasil, possui um OldsMobile Sedanette 1946, modelo raríssimo. Quantas vezes já enguiçou? Ele jura que nenhuma. “Bem cuidados, os veículos antigos podem durar uma eternidade.” A questão é que nem todos os proprietários estão atentos a isso.

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Em maior ou menor grau, o elevado envelhecimento da frota carioca reproduz uma realidade comum a outras capitais brasileiras. Em São Paulo, os carros com mais de dez anos correspondem a 56% do total, situação apenas um pouco melhor que a nossa. Tanto lá como aqui, o controle dos automóveis em estado precário ou mesmo de risco é frouxo. A imensa maioria deles se encontra na clandestinidade e os proprietários se esquivam de obrigações como licenciamento anual ou vistoria obrigatória. “Infelizmente, nossa fiscalização é falha. Não temos uma inspeção que proíba essas carroças de circular”, afirma José Eugênio Leal, professor de engenharia de transportes da PUC-Rio. É uma realidade completamente diversa da de países como os Estados Unidos, onde há uma firme disposição de limpar as ruas. Há dois anos, o governo americano conduziu um ambicioso programa para tornar a frota mais segura, limpa e eficiente em termos de consumo de combustível. Batizada de Cash for Clunkers (algo como “dinheiro por sucata”, em português), a iniciativa estimulou a troca de 700?000 automóveis ultrapassados por outros novos. Cada proprietário ganhava entre 3?500 e 4?500 dólares de bônus na compra de um modelo novo, compatível com os padrões de segurança e de emissão de poluentes mais rigorosos. Para evitarem que as velharias voltassem às ruas, as autoridades adotaram um duro sistema que promovia a destruição completa do veículo ? nada, nem mesmo peças internas do motor, poderia ser reaproveitado ou revendido. Iniciativas semelhantes foram realizadas na Alemanha, na França, na Espanha, na Áustria e no Japão, todas com bons resultados.

Com um poder de ação limitado, a prefeitura tem se esforçado para dar fluidez ao tráfego cada vez mais atravancado da cidade. A atuação dos 563 controladores da CET-Rio, por exemplo, foi intensificada. Postados em 300 pontos críticos, eles orientam os motoristas para que não fechem cruzamentos e abastecem a direção operacional do órgão com informações relacionadas a ajustes necessários no intervalo dos semáforos. O número de câmeras de monitoramento deve ser ampliado de 219 para 575 até o fim de 2011. E o número de reboques, que há dois anos cresceu de dezessete para os atuais 43, também tende a aumentar. Mas há problemas que persistem e comprometem a eficiência do sistema. Empresas públicas e concessionárias como Comlurb, Cedae, CEG, Light e Orla Rio atravancam o fluxo com operações durante o dia. Da mesma forma, bloqueiam sem nenhum constrangimento faixas de vias importantes para sinalizar obras inacabadas. Em razão desses e de outros problemas, se todos os calhambeques malconservados fossem retirados das ruas, é provável que os congestionamentos ainda continuassem. Mas, pelo bem do trânsito e da segurança da população, tal passo precisa ser dado.

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Não é só o calhambeque

De poda de árvores a obras de concessionárias, a lista de intervenções que também atravancam o tráfego é Extensa. Conheça os problemas mais recorrentes

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Poda de árvores

Responsável pela coleta de lixo no Rio, a Comlurb também atua na poda e no corte de galhos. A execução desses trabalhos durante o dia chega a bloquear quarteirões inteiros. A foto mostra uma dessas operações, no Leblon. De janeiro a setembro, foram realizadas 24?455 podas na cidade.

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Concessionárias

Operações de reparo em tubulações de esgoto, recapeamento de asfalto e modernização do sistema de gás são obras necessárias, mas capazes de instaurar o caos no trânsito. A maioria das intervenções da Cedae ocorre na rua e fecha ao menos uma pista. A CEG tem hoje 35 reparos em andamento. A Operação Asfalto Liso já interditou 112 vias desde 2010. São tantas obras que a CET-Rio tem dificuldade de estar presente em todas.

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Abastecimento e fiscalização de quiosques

A empresa Orla Rio, que explora os quiosques e postos de salvamento, estaciona diariamente suas picapes na pista direita das avenidas Delfim Moreira, Vieira Souto e Atlântica. Caminhonetes de gelo, bebidas e alimentos que recarregam o comércio da areia também emperram o trânsito de manhã.

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A turma do atraso

na contramão das principais metrópoles do mundo, moradores de ipanema rejeitam o metrô no bairro

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No último sábado (22), o bairro de Ipanema amanheceu envolto em uma polêmica de araque. Um grupo de moradores organizou, na Praça Nossa Senhora da Paz, um protesto para chamar a atenção do governo. Até aí tudo bem. Mas, com tantos motivos para se manifestarem ? como a falta de leitos em hospitais, o ensino público vexaminoso ou a ação da gangue de relógios Rolex na região ?, eles se mobilizaram contra a estação de metrô que deve ser construída no local. Com gritos de ordem do tipo “a praça é nossa”, argumentavam que a obra provocará um impacto ambiental “irreparável”. De forma mais velada, reclamavam também pelo maior fluxo de pessoas vindas de bairros distantes. Lamentável, a manifestação lembrou um episódio em São Paulo, onde alguns moradores de Higienópolis, uma das regiões mais valorizadas da cidade, se insurgiram pelo mesmo motivo. “Não queremos essa gente diferenciada por aqui”, argumentavam os puristas.

Está claro que tais manifestações representam uma minoria. Movidos pelo preconceito e donos de uma visão estreita, eles receiam que o metrô destrua a tranquilidade do bairro e desvalorize suas propriedades. Trata-se de um equívoco grave. Em todos os países, as áreas assistidas pelo transporte público ganham apreciação no mercado imobiliário. Além disso, torna-se cada vez mais difundida a necessidade de substituir o carro por meios coletivos de locomoção. Em Londres, por exemplo, uma parceria público-privada está remodelando e expandindo a capacidade das principais linhas de trem. A meta é aumentar em 50% o número de passageiros e preparar a capital britânica para os Jogos Olímpicos de 2012. “As metrópoles não têm outra saída. É investir em alternativas para o deslocamento de massas ou se tornar um verdadeiro inferno”, afirma Ronaldo Balassiano, professor de engenharia de transportes da Coppe/UFRJ. Com inauguração prevista para dezembro de 2015 e um investimento de 5 bilhões de reais, a expansão da Linha 4 até a Barra da Tijuca é uma das melhores notícias que o Rio recebeu nos últimos tempos. Os moradores de Ipanema que organizaram o abraço deveriam agradecer aos céus pela primazia. E voltar à praça por motivos mais nobres que o da última manifestação.

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