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Manual de Sobrevivência no século XXI

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Psiquiatria
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Morte de influencer após lipoaspiração alerta sobre o “corpo perfeito”

Distorções da imagem corporal e pressão das redes sociais são combinação bombástica para a saúde mental

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 1 fev 2021, 12h40 - Publicado em 1 fev 2021, 12h05
Foto da influencer Liliane Amorim à beira da piscina.
Liliane Amorim: jovem morreu depois de se submeter a uma lipoaspiração, apesar da boa forma física. (Instagram/Reprodução)
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O precoce desaparecimento da blogueira e influencer Liliane Amorim, em decorrência de complicações após uma lipoaspiração, dominou as redes sociais na última semana. O falecimento de alguém com tão pouca idade – Liliane tinha apenas 26 anos – assusta. No entanto, o que intrigou a mídia e seus seguidores no Instagram foi o que levou uma mulher jovem, bonita, bem sucedida, mãe de um filho e cuja beleza era tida como referência, a recorrer a um procedimento tão invasivo e arriscado. Por que a sociedade está refém de um padrão estético tão cruel e exigente? O que é beleza e o que é doença?

A busca desenfreada pelo tal “corpo perfeito”, em casos extremos, pode esconder um traço cruel: o Transtorno de Imagem Corporal. A insatisfação com o corpo passa a ser tão significativa que, ao contrário da letra de Caetano Veloso, Narciso acha feio o que quer que mostre o espelho. A pessoa se enxerga mais gorda do que de fato é, e essa distorção está muitas vezes ligada a transtornos alimentares, como anorexia e bulimia.

O fato grave é que os casos estão recorrentes entre os mais jovens. Pesquisa realizada em 2019 no Reino Unido e na Irlanda apontou que a anorexia é crescente entre crianças de 8 a 12 anos, dos quais 91% são meninas. Alguns pesquisadores chegam a falar em uma “pandemia de anorexia”.

Focando nas novas gerações, é inevitável refletirmos sobre quem exerce influência sobre eles. Diversos estudos recentes mostram uma clara relação entre uso de mídias sociais e transtornos alimentares. A popularização das redes nas últimas décadas criou uma dinâmica perversa de esbanjar uma felicidade que, na maioria das vezes, não se confirma sob a lupa inequívoca da realidade. Nos anos 1990, quando a mídia de “celebridades” ganhou espaço significativo no mercado, a exemplo de títulos como “Caras”, o jornalista Tutty Vasquez resumiu a vontade de exibir a própria vida como “evasão de privacidade”, num esperto jogo de palavras com a invasão de privacidade a que artistas e pessoas famosas estavam acostumadas até então. Desde o surgimento de redes como o Instagram, cada um é a sua própria “Caras”.

Detalhe: antes da cirurgia, Liliane tinha cerca de 180 mil seguidores no Instagram. Após a morte, seu perfil deu um salto para quase 300 mil seguidores. Ou seja: 120 mil pessoas passaram acompanhar a página de alguém que não está mais entre nós e, obviamente, não produz mais qualquer conteúdo naquele espaço. Não há melhor indício de como as redes sociais tem uma lógica própria e perversa.

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Querer estar bonita e saudável não é um problema, desde que isso não coloque a saúde em risco. Porém, recém-saídos de um ano em que um vírus milimétrico ceifou a vida – e amigos, e família, e planos, e sonhos – de milhares de pessoas, cabe o exercício de repensarmos a relevância – e os limites – da vaidade estética, para o bem da saúde mental de milhões de mulheres, agora e das futuras gerações.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

 

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