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Victor dos Santos: “Vale o escrito, a lei”

Secretário de Segurança Pública defende enfraquecimento do poder financeiro de milicianos e traficantes, e diz que pretende proibir insulfilm nos veículos

Por Melina Dalboni
19 jan 2024, 06h00
Delegado federal Victor dos Santos
Victor dos Santos: Secretário de Segurança Pública é delegado federal (Leo Lemos/Divulgação)
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Criado em Campo Grande, o delegado federal Victor dos Santos, 55 anos, egresso da terceira geração de uma família de policiais, acaba de assumir o espinhoso posto de secretário de Segurança Pública do Estado, extinto em 2019, no governo Wilson Witzel. Sua tarefa nestes difíceis tempos na área não é trivial — uma de suas missões é a integração com o governo federal, tão martelada como caminho para combater o crime organizado. “Tenho uma carreira na polícia, ocupando cargos de chefia desde o governo Fernando Henrique, depois Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro e, agora, Lula de novo”, enumera. “Tecnicamente, isso facilita a integração por força da experiência, do networking e da atividade profissional”, avalia. Com anos de atuação na Delegacia de Repressão a Entorpecentes do Rio, ele participou de prisões simbólicas, como a do bicheiro Rogério Andrade, em 2006, e, recentemente, foi peça central na negociação para a rendição de Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, chefe da maior milícia do Estado — um dos males que o secretário precisa extirpar. Em conversa com VEJA RIO, ele defende o enfraquecimento do poder financeiro desses grupos que dominam porções inteiras da cidade, como tática para asfixiá-los, adianta que pretende proibir o insulfilm nos veículos e avisa que o software de reconhecimento facial usado no réveillon também estará em ação no Carnaval.

Como evitar inaceitáveis ações de afronta à lei, como o incêndio tocado por milicianos em dezenas de ônibus da capital, em outubro passado? Isso deve envolver necessariamente inteligência e, por isso, estamos criando um banco de dados para reunir informações de todas as entidades — ISP, Detran, Segurança Presente e polícias Militar, Civil e Rodoviária Federal. A ideia é juntar esse extenso material e, com ele, conseguir antecipar ações de tal natureza.

Quando esse sistema começará a funcionar? Acredito que em seis meses já estejamos fazendo os primeiros testes.

De que ferramentas de inteligência a polícia fluminense dispõe hoje? Temos um programa exitoso, o Segurança Presente. A coluna vertebral é a abordagem fundamentada na suspeita. E é aí que estamos usando o software de reconhecimento facial. Não basta só o policial achar que aquela pessoa tem atitude estranha, suspeita. O sistema contém informações objetivas, como passagens pela polícia. O software disse que era A, o policial abordou A e realmente era A. Deu match.

Dito assim, parece que não há margem para erros, quando sabemos que eles acontecem. O fato é que, em dez anos, o Segurança Presente conseguiu executar 3 milhões de abordagens. Investindo nesse sistema, como ocorreu no réveillon, com as câmeras instaladas na orla, foram quase 4 milhões de rostos reconhecidos em quatro dias, o que nos ajudou a rastrear suspeitos. No Carnaval, vamos otimizar ainda mais o uso do sistema.

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Existe diferença no combate ao tráfico e às milícias? A estrutura dessas organizações criminosas é igual. Todas visam ao lucro obtido de forma ilegal e precisam fazer com que esse dinheiro retorne ao mercado com outra roupagem. A melhor forma de combater o tráfico e a milícia é justamente atacando a estrutura financeira. Isso afeta a capacidade bélica deles.

Observar a experiência de outras cidades que penaram com altos índices de criminalidade ajuda? Passei muito tempo na Delegacia de Repressão a Entorpecentes. Um dos cursos que fiz foi em Medellín, na Colômbia, isso numa época bem ruim. Os motociclistas não podiam andar com ninguém na garupa, porque muitos assassinatos eram cometidos a dois, a bordo de motos. A gente não vai implantar isso no Rio, mas é uma medida de trânsito que impacta na segurança pública. Entendo que o insulfilm, por exemplo, é uma coisa complicada.

“A melhor forma de combater o tráfico e a milícia é atacando a estrutura financeira deles”

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Tem planos de proibi-lo? Estamos estudando essa medida, que envolve vários órgãos de regulação. O insulfilm atrapalha a visão do policial, que vai fazer uma abordagem e não consegue identificar quem está dentro do carro, causando insegurança e riscos a todos.

O senhor participou da ação que prendeu Rogério Andrade, em 2006. Tem um plano para capturar outros figurões do crime? Já tivemos a prisão do Zinho, o chefe da maior milícia do estado, logo de saída. E haverá mais. Este é o recado: ninguém está acima da lei. O criminoso tem que temê-la, e ela deve valer para todo mundo. “Vale o escrito” é uma frase do jogo do bicho, mas que se aplica bem à nossa filosofia. Precisa prevalecer o que está escrito, a lei.

E como fazer valer a lei? Combatendo a impunidade. Isso gera uma sensação generalizada de insegurança, até para o policial. Ele prende o criminoso, vê o sujeito solto, prende de novo, e assim sucessivamente. Temos a obrigação de romper esse ciclo nada virtuoso. E não apenas os atores que atuam na segurança pública têm de fazer essa reflexão, mas a população também.

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Qual é exatamente o papel da população? Está na Cons­tituição. Segurança pública é dever do Estado, mas responsabilidade de todos. Todo mundo tem que se engajar nisso. A população precisa começar a enxergar o policial como guardião, sem preconceito. A polícia não consegue atuar sem legitimidade, que é dada pelo povo. Eu era garoto, tinha lá o sargento Jesus, um sujeito grandão, que sabia o nome da minha mãe e dizia: “Moleque, se fizer bagunça aqui, vou falar para dona Laura”.

Como enxergar o policial como guardião quando sabemos que uma parcela da corporação atua no crime, compondo as engrenagens da própria milícia? O capital humano é o ativo mais valioso de qualquer empresa, pública ou privada. Quando você cria um ambiente organizacional favorável ao bom policial, o mau profissional se torna um corpo estranho, destacado dos demais. Hoje o que a gente quer é investir nos bons policiais.

Já começou a sentir a pressão? Minha pressão é 12 por 8. Cresci no meio policial. Sou a terceira geração de uma família de policiais. Minha vocação é essa.

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