Peças em cartaz no Rio trazem um novo olhar sobre o envelhecimento
Uma série de espetáculos nos teatros na cidade trata do tema de forma mais atual e ainda põe em cena veteranos cuja atuação já vale o ingresso
O Brasil passa por acelerado processo de envelhecimento. O último Censo mostrou que, em uma década, o contingente com 60 anos ou mais passou de 11,3% para 14,7% da população, adicionando 9 milhões de pessoas ao grupo — número que segue em trajetória ascendente. Com tantos recém-chegados a essa faixa etária, e o Rio figurando entre os estados com a maior concentração de cabeças brancas, a sociedade vem se adaptando ao novo perfil demográfico que rapidamente se desenha. E um olhar diferente emerge sobre essa multidão disposta a viver mais e melhor, projeto para o qual o avanço da ciência tem sido essencial.
Com o tema na ordem do dia, ele não poderia ficar de fora do mundo das artes — e os teatros são prova disso, oferecendo diversos espetáculos que giram em torno de questões relativas a essa fase da vida. Melhor: com as salas cheias. “Nós teremos cada vez mais gente mais velha com mais saúde, então é importante mesmo que o teatro, os autores e os diretores reflitam sobre essa mudança e criem bons papéis para atores de 70, 80, 90 anos”, diz Fernando Philbert, diretor de Três Mulheres Altas, que tem entre as protagonistas a atriz Suely Franco, de 84 anos.
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Um bom sinal dos tempos é que essa leva de peças em cartaz expõe uma ideia renovada da velhice. São produções como A Lista, com Lilia Cabral, 66 anos, em que sua personagem é uma idosa que fala sobre beber cerveja, sair com as amigas, viajar e se apaixonar. O dramaturgo Gustavo Pinheiro, autor da peça e também tradutor da versão brasileira de Três Mulheres Altas, compara a lembrança que tem de sua avó aos 60, usando cabelo com laquê e roupa recatada, com o que observa hoje na turma mais velha.
“O que é uma mulher de 60 anos agora? É Andrea Beltrão, é Débora Bloch, é Lilia Cabral. Todas estão no mundo, produzindo, atuando, e acho que o teatro consegue traduzir um pouco isso”, avalia. Até 29 de setembro no Teatro Copacabana Palace, com quatro sessões semanais de Três Mulheres Altas, Suely Franco, que dá vida a uma personagem de 92 anos, concorda. “Minha mãe aos 30 era praticamente uma senhora. Hoje, a gente vê mulheres de 60 com as pernas de fora, maravilhosas, corpo inteiraço, e pessoas de 80 anos participando de corrida. É sensacional”, celebra, sempre enérgica.
Um outro aspecto dessa mudança de olhar nas artes cênicas tem a ver com a própria escalação dos elencos. Atores no topo da pirâmide etária vêm recebendo mais papéis, e eles são interessantes e de destaque. Atualmente, há dois grandes nomes na casa dos 90 sobre os palcos: Fernanda Montenegro, aos 94, volta ao Rio em agosto uma peça que leva seu nome — Fernanda Montenegro Lê Simone de Beauvoir —, e Othon Bastos, 91, estrela Não Me Entrego, Não!, praticamente um monólogo. Em cena, ele conta com participações da diretora-assistente Juliana Medella, no papel de “memória”.
“Sempre achei e continuo achando que só deixarei o palco quando morrer. Estar atuando em um espetáculo com a minha idade é uma enorme alegria e prazer”, diz Othon, que impressiona pela vitalidade. “Para estar em forma, tenho que cuidar da saúde: dormir bem, me alimentar sem exageros, fazer caminhadas e zelar pelo espírito”, lista a sua receita. Para o dramaturgo Gustavo Pinheiro, existe um movimento que reconhece a força e o poder da idade. “É um privilégio ter esses atores atuando, uma geração que tem tanto a dizer. Quando a gente os vê em cena, está vendo a própria história do teatro”, pontua.
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Reconhecidos todos os bem-vindos avanços na sociedade, olhares enviesados ainda pesam sobre os mais velhos — um preconceito conhecido como etarismo, que deve ser banido. As mulheres são as que mais sofrem. “Às vezes, quando elas passam dos 45, são colocadas numa prateleira no mercado audiovisual. É engraçado: o homem vai ficando de cabelo branco e todo mundo diz: ‘Ah, o cara é charmoso’ ”, ressalta o diretor Fernando Philbert.
No teatro, porém, parece não haver teto etário. Além de Fernanda Montenegro, Susana Vieira, 81 anos, Irene Ravache, 79, Nívea Maria, 77, Marília Gabriela, 76, Guida Vianna, 69, Cissa Guimarães, 67, Elisa Lucinda, 66, e Vera Zimmermann, 60 — todas podem ser vistas em plena atuação no Rio, desafiando narizes eventualmente torcidos. “A gente, que gosta do que faz, quando fica parada, morre. No teatro, me sinto vivendo”, diz Suely Franco, que tem percebido a presença de gente de todas as idades na plateia, um público que quer refletir sobre a terceira idade. “Precisamos entender que a velhice não é um ponto final, mas ao contrário: esses atores têm um campo incrível de possibilidades”, lembra Philbert. Esse é o maior de todos os espetáculos.
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Desafiando preconceitos
Outros espetáculos de atores veteranos na programação
> Alma Despejada
Com Irene Ravache, o monólogo faz sua temporada de estreia de 2 de agosto a 1º de setembro no Teatro dos Quatro, no Shopping da Gávea.
> A Tropa
Mais uma temporada da comédia dramática com Otavio Augusto está em cartaz no Teatro dos Quatro até 31 de outubro.
> Diadorim
Vera Zimmermann vive a famosa personagem de Guimarães Rosa em apresentação única no Teatro Firjan Sesi Jacarepaguá, em 21 de setembro.
> A Menina Escorrendo dos Olhos da Mãe
Após passar por São Paulo, o espetáculo com Guida Vianna e Silvia Buarque retorna à programação carioca de 1º de agosto a 1º de setembro, no Teatro Poeira.
> A Última Entrevista de Marília Gabriela
A apresentadora de 76 anos e seu filho Theodoro Cochrane discutem a relação com humor e emoção no espetáculo que chega ao Teatro Prio, em agosto.
> A Lista
Juntas no palco até 28 de julho, Lilia Cabral e a filha, Giulia Bertolli, fazem novas apresentações da peça, nascida na pandemia, no Teatro Adolpho Bloch.
> Shirley Valentine
Aos 81 anos, Susana Vieira volta ao palco do Teatro Adolpho Bloch de 6 a 22 de setembro com o monólogo que trata de temas como a solidão.
> A Última Sessão de Freud
De 27 de setembro a 20 de outubro, Odilon Wagner vive o psicanalista em um encontro fictício com o poeta C.S. Lewis no Teatro Adolpho Bloch.
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