“Não ficamos presos aos costumes”, diz Carla Rosas, da Le Cordon Bleu
A diretora carioca fala sobre a busca pela democratização do acesso à escola, que está completando 130 anos
Tudo começou com a jornalista francesa Marthe Distel, que em 1895 lançou uma revista semanal de culinária chamada La Cuisinière Cordon Bleu. Distribuída pelas ruas de Paris, logo conquistou milhares de assinantes. O negócio cresceu e, naquele mesmo ano, ela decidiu oferecer aulas de culinária para as leitoras, em uma pequena sala na própria redação.
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Com 130 anos de história — e uma fama de rigoroso e perfeccionista — o instituto Le Cordon Bleu tornou-se, logo no início, uma referência nas artes culinárias. Atualmente, tem quarenta unidades em 25 países, com cerca de 20 000 alunos. Aqui no Rio, eles desembolsam 90 000 reais para ganhar um diploma técnico, desenvolvido especialmente no Brasil, único local onde o curso pode ser financiado.
Parte de um projeto de democratização idealizado desde 2019 por Carla Rosas, general manager e diretora de marketing, responsável também pela implementação de um programa de bolsas. Em um almoço no restaurante-escola Signatures, enquanto degustava um quenelle brochet ao molho bisque, a economista — que deixou um cargo na TV Globo após 15 anos para aceitar o trabalho — falou sobre os desafios em equilibrar tradição e inovação no renomado instituto.
Com que missão você assumiu o cargo? No início, minha função era trazer alunos, mas seguindo uma filosofia mundial destas escolas em ter tudo quitado antes das aulas começarem. Para a maioria, é impossível. Então comecei a mostrar ao conselho internacional a importância do financiamento, explicando que o brasileiro parcela até compra em farmácia. Foram muitas etapas para implementarmos essas soluções e agora atingimos nossa verdadeira vocação: ajudar na profissionalização dos serviços no Rio.
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Como equacionar uma mensalidade cara com um salário de mercado que fica bem abaixo? É complicado. Por isso, o financiamento e as bolsas foram nossas primeiras ações. Já deram resultado, pois estamos vendo uma diminuição na faixa etária dos estudantes; jovens para quem esse sonho se tornou possível.
Como é a visão da matriz sobre essas mudanças? A primeira preocupação é manter a qualidade. Quando falamos em democratização, estamos buscando volume, aumentando a quantidade de alunos. Criamos um curso profissionalizante com todas as matérias ó em vez de ir direto para cozinha ou pâtisserie, por exemplo. É algo totalmente novo, que precisou ser aprovado criteriosamente a fim de manter a excelência, mesmo adaptando às necessidades locais. Nossas primeiras turmas se formaram e muitos já foram para restaurantes estrelados ou trabalhar fora do país, o que legitima o trabalho que estamos fazendo.
Qual o segredo da longevidade? Quando André Jean Cointreau assume a presidência em 1984, há um forte processo de expansão mundial. Atualmente temos quarenta unidades em 25 países. Além do segmento de educação, atuamos em pilares que ninguém imagina. Temos o programa de TV Sabor em Arte, já na quarta temporada, além de produtos licenciados. Nosso próximo passo é expandir o lançamento de livros. Essa visão macro do negócio, que sai da escola e vai para a rua, é um dos segredos.
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Isso é uma forma de equilibrar tradição e inovação? Sem dúvidas. A sociedade está mudando, e nós nos mantemos atualizados. A forma de fazer negócios é diferente, então não ficamos presos aos costumes. É claro que temos o compromisso principal com os diplomas, mas não ficamos limitados. Acabamos de desenvolver um programa empresarial de habilidades socioemocionais — comunicação assertiva, liderança, trabalho em equipe ó através da culinária. É um outro lado do negócio que está alinhado aos tempos atuais.
A popularização da culinária pela TV rendeu mais alunos? A pandemia teve um papel muito grande, pela demanda das pessoas presas em casa. Todo mundo virou chef, por isso esses programas ganharam força. As pessoas repensaram a própria vida e muita gente abandonou tudo para seguir um sonho, então recebemos médicos, advogados, bancários… Um público novo, desde quem queria abrir uma vinícola ou até o próprio restaurante na cidade. O contrário também tem acontecido: chefs renomados nos procurando, como a Paula Prandini e a Carola Troisgros, para aprimorarem suas técnicas.
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Há alguma parcela de evasão? Sempre aconselho, antes de qualquer inscrição, que façam o nosso curso de um dia. Não mantemos 130 anos de excelência sendo flexíveis em tudo, há algumas coisas que não podem mudar. Existe uma exigência em relação à pontualidade, limpeza, apresentação e vários outros critérios. Mas essas desistências são pontuais, nosso maior índice de evasão é por questões financeiras. Apesar de toda a democratização, ainda é um senhor investimento.
A que atribui a rotatividade nas cozinhas da cidade? O sonho pode se desmistificar um pouco no início, pois é um mercado difícil. É preciso ter muita vocação para seguir nessa área. Muitas vezes os ambientes de trabalho não têm janela ou ar-condicionado, os cozinheiros trabalham até catorze horas por dia, além de toda a discussão atual sobre a escala seis por um. Nem toda cozinha precisa ser como a nossa, mas estamos lidando com pessoas, é preciso achar um meio do caminho.
Qual considera o maior legado da Le Cordon Bleu? Nossa missão número um é apresentar as técnicas francesas para estimular a criatividade. Ensinamos alta gastronomia, mas ela não é necessariamente francesa. Temos curso de sushi e o de vinhos concorre com a qualificação do WSET. A partir desta base, tudo é adaptado para valorizar cada local. A gastronomia é multicultural.
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