Continua após publicidade

Maria Ribeiro: “Ah, meu amigo… Ouça Marília Mendonça”

"Ouça, não por mim, não por ela, ouça por você. Porque ouvir a Marília não é ouvir a Marília. Ouvir a Marília é ter coragem de se ouvir", escreve a atriz

Por Maria do Amaral Ribeiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
19 nov 2021, 08h00
Maria Ribeiro, de coque, olha para baixo
Maria Ribeiro e a "Insustentável leveza do ser": "Mil novecentos e oitenta e quatro — ano da publicação do clássico checo — é o primeiro da minha lista de calendários rebeldes". (Bob Wolfenson/Instagram)
Continua após publicidade

O avião caiu, mas não aconteceu nada. Ufa. Voltei pra vida miúda: textos, filhos, agenda. O avião caiu, morreu Marília Mendonça.

Pausa pro tempo ganhar espaço. Pras letras virarem maiúsculas. Não pode ser verdade.

Vou escrever de novo. Não pode ser verdade. É.

Marília Dias Mendonça. Natural de Cristianópolis, Goiás. Cantora, compositora, instrumentista, feminista, filha, mãe, artista #elenão. E, de repente, uma notícia. Um obituário. Um looping de uma mesma cena.

+ “Eu não poderia me tornar atriz hoje em dia”, diz Adriana Esteves

GloboNews. Twitter. Instagram. O sucesso. O preconceito. Os títulos, as nomenclaturas, as homenagens, os signos dessas gavetas todas.

Que raiva de jatinho. Não é jatinho, é avião de pequeno porte, avisa alguém no plantão da televisão. Que raiva de avião de pequeno porte.

Continua após a publicidade

Espera, não é esse o sentimento. Volta.

Que tristeza! É isso. Não, não é isso. Isso é pouco, foi mal. É protocolar, não cola com o meu peito. Soou falso aqui dentro. Será que pode tristeza com raiva? Será que é permitido? Que seria correto?

Dane-se. Estou chorando, quero gritar, não consigo sentir só tristeza, desculpem pela combinação deselegante.

Post. Mensagens. Amigos. Seguidores. Preciso falar, preciso ter certeza, preciso ser mais uma brasileira a chorar por mais uma brasileira. Em meio a mais de 600 000.

+ “Se melhorar a vida de uma criança, já vai valer a pena”, diz Carol Solberg

Continua após a publicidade

Mais uma? Sim e não.

Morreu a Marília Mendonça.

Silêncio, por favor.

Ou então, aumentem o volume.

Todo mundo arrasado, certo? Nada como o consolo do pertencimento. Nem todo mundo? Como assim?

Continua após a publicidade

“Nunca ouvi falar”, comentou um amigo muito próximo. Aqui, eu esqueci a tristeza, e fiquei só com a raiva. É esse o meu país — há anos dividido em dois. O mesmo que elegeu um deputado medíocre como presidente pra não eleger alguém que ousou mudar de classe social. Mas isso agora não importa. Que eu não estou pra política. A não ser a do luto. A não ser a do amor. A não ser a da nossa condição tão frágil e fugaz.

+ Com a chegada da alta estação, turismo pode fazer o Rio decolar novamente

Ah, meu amigo… Ouça Marília Mendonça.

Pode ser escondido, no carro, no fone de ouvido, de olhos fechados pra não ter registro, mas ouça.

Ouça, não por mim, não por ela, ouça por você.

Continua após a publicidade

Porque ouvir a Marília não é ouvir a Marília.

Ouvir a Marília é ter coragem de se ouvir.

Porque você já traiu.

Porque você já foi traído.

Porque você já foi amante.

Continua após a publicidade

Porque você já amou.

Porque você é brasileiro.

+Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui

“A gente precisa cantar, sabe? Dançar talvez seja muito, mas cantar é fundamental. Atualmente é praticamente recomendação médica”

Porque você foi absolvido por uma mulher que nasceu há vinte e seis anos no coração da sua pátria e que fazia milhões de conterrâneos, seus irmãos de terra, em sua maioria esquecidos do Estado, cantarem.

A gente precisa cantar, sabe? Dançar talvez seja muito, mas cantar é fundamental. Atualmente é praticamente recomendação médica. Sol e música, companheiros pandêmicos.

No último domingo, fui ao Parque da Cidade, que fica na Gávea, aquele bairro lindo, cantar com o Pedro Miranda. Quer dizer, quem cantava era ele, mas eu, da plateia, cantei também. Eu e uma centena de pessoas. Depois de quase dois anos em casa, sair — com cuidado, naturalmente — e cantar, e ver pessoas, e, sorrir, e olhar o céu, e ver crianças correndo, nossa, é pra isso que a gente foi feito.

+ Velozes e ecológicos, carros elétricos começam a ganhar as ruas da cidade

Em um banco de um parque, um artista se apresentava ao ar livre. Seu filho de 5 anos passava o chapéu enquanto ele tocava sambas e vacinas. Sim, vacinas. Por ali, passaram Zé Renato, Claudio Lins, Abel Silva — parceiro histórico de Moraes Moreira — e vários outros músicos, cujos nomes não lembrarei aqui.

Quando Abel subiu no palco — quer dizer, posicionou-se em frente ao banco — e pegou o microfone, quis homenagear seu parceiro Moraes, com quem compôs clássicos eternos e inesquecíveis. Cantou Festa do Interior.

Termino reproduzindo estes versos que, claro, já conhecia, mas que nunca me soaram tão certeiros:

Fagulhas, pontas de agulhas

Brilham estrelas de São João

Babados, xotes e xaxados

Segura as pontas, meu coração

Bombas na guerra — magia

Ninguém matava, ninguém morria

Nas trincheiras da alegria

O que explodia era o amor

Viva Marília Mendonça e Nelson Freire.

O Brasil é um só.

+Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de 35,60/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.