Jovens com deficiência ganham crescente visibilidade nas redes sociais
Falando abertamente de sua realidade, influenciadores ganham impulso nas redes ajudando tantos outros que se identificam com eles
Maria Júlia de Araújo, modelo internacional
@majudearaujo
Seguidores: 639 000
Assuntos: moda, beleza e humor
Pegar o celular e se conectar a uma rede social virou, para uma ala crescente da humanidade, um hábito comparável a atividades tão básicas quanto tomar café da manhã ou escovar os dentes. Nos dias de hoje, olhos de todas as gerações se grudam cada vez mais às telinhas, uma inescapável marca deste século frenético. E, como se sabe, ali se encontra de tudo — inclusive uma eclética turma de influenciadores, quesito em que o Brasil, numericamente, se tornou o campeão mundial no Instagram. São mais de 10 milhões deles com pelo menos 1 000 seguidores cada um. A qualidade do que circula varia muito — e o recorte mais frequente exibido à plateia virtual é o da vida perfeita, cercada de glamour. Pois no meio desse leque um grupo tem crescido e aparecido sem filtros: o das pessoas com deficiência.
Ao falar abertamente, elas prestam um serviço ajudando outras e tratando de quebrar tabus. A modelo carioca Maju de Araújo, 20 anos, atraiu holofotes para seu relevante trabalho de atropelar os preconceitos no universo da moda. Depois de virar destaque nas passarelas, levando a representatividade de pessoas com síndrome de Down à São Paulo Fashion Week e à prestigiada Semana de Moda de Milão, a jovem passou a servir de inspiração, enfatizando a ideia de que a diversidade é desejável e possível. “Ainda vivemos dentro de um padrão de beleza ideal, mas nas redes há lugar para vozes plurais”, defende Adriana de Araújo, mãe da influenciadora. Maju contabiliza quase 640 000 seguidores, que a acompanham diariamente. Seu conteúdo, aliás, vai muito além da conscientização sobre deficiência: moda, maquiagem e humor são alguns dos temas que ela aborda nos vídeos, que volta e meia viralizam.
Isabella Savaget, estudante de comunicação social
@bellasavaget
Seguidores: 210 000
Assunto: moda, beleza, dança e reflexões
Como ocorre quando alguém vai bem no meio virtual, deu-se com Maju um ciclo virtuoso: ela passou a chamar atenção de marcas que buscam alcançar um determinado público. Além das eventuais parcerias de publicidade, a modelo é a primeira brasileira com síndrome de Down a ser embaixadora da marca de beleza L’Oréal Paris. “A agenda dela está tão cheia que chegamos a recusar convites”, conta Adriana. As dobradinhas que prosperam seguem um critério: na percepção de Maju, promovem a inclusão. Assim como a modelo, nestes últimos tempos em que a população mundial se viu por longos períodos em casa, a janela em que os indivíduos se encontram conectados aumentou — e o chamado mercado da influência floresceu.
Nomes como o da psicóloga Pequena Lo, que conquistou 4,4 milhões de seguidores no Instagram, e o do potiguar Ivan Baron, que oferece material sobre acessibilidade e anticapacitismo, acabaram por colocar em evidência a importância da diversidade. É natural que algumas agências à caça de talentos digitais tenham implantado núcleos voltados a essa leva de influenciadores. “É preciso mostrar às marcas que todos podem trabalhar nesse mercado”, explica Danielle Tavares, diretora na agência Mynd, responsável pela gestão do conteúdo de oito pessoas com deficiência com atuação nas redes. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2019, o Brasil tinha 17,3 milhões de pessoas de 2 anos ou mais com deficiência — o equivalente a 8,4% da população.
Alex Bill, escritor
@alexbilljr
Seguidores: 280 000
Assuntos: surdez e acessibilidade
Mesmo com número tão expressivo, a discriminação insiste em permear vários escaninhos da vida — desde a acessibilidade física até o ingresso nos bancos escolares e a conquista de um emprego. Para a estudante Isabella Savaget, 20 anos, que nasceu com paralisia cerebral, o trabalho nas redes é um ativismo mais do que necessário nesse quadro em que ainda prevalece o atraso. “A sociedade precisa enxergar que produzimos e temos boas ideias como qualquer um”, defende Bella. A falta de inclusão dentro das empresas se reflete na ausência de um olhar sensível para as necessidades específicas dessas pessoas. “Muitas marcas não estão prontas para nos atender. Eu amo me maquiar e elaborar conteúdos sobre maquiagem, mas hoje não encontro produtos para minha realidade”, pontua Isabella, que exibe sua rotina para mais de 200 000 pessoas.
O ato de compartilhar a imagem nas redes pode gerar impactos positivos à autoestima desse time. Abraçando esse movimento, a criadora de conteúdo Lelê Martins, também chamada de Blogueira PcD (sigla que se refere a pessoa com deficiência), 25 anos, passou a falar sobre moda e estilo mesmo sem obedecer ao padrão de magreza. “Apesar das críticas que recebo, minha autoestima melhorou muito. Hoje busco mais saúde do que a estética”, afirma a estudante de ciências sociais, vítima de um acidente que levou à amputação da sua perna esquerda. Transcorreu-se um duro processo até assimilar sua nova realidade. “Um dia, a polícia me parou ao confundir minha muleta com uma arma. Isso me fez ver a necessidade de falar nas redes”, frisa Lelê, que virou uma referência para outras mulheres pretas com vivência semelhante.
Lelê Martins, estudante de ciências sociais
@blogueirapcd
Seguidores: 38 100
Assuntos: moda, autoestima e humor
Um dos desafios de levar a representatividade para o meio virtual, uma vitrine em escala global, é encarar as críticas. Quando começou a gravar vídeos para a internet, o influenciador surdo Alex Bill Júnior, 24 anos, já esperava comentários negativos. Diagnosticado com deficiência auditiva bilateral profunda desde pequeno, Alex usa a leitura labial para compreender os outros. “Muitos comentam sobre minha voz, que ela dá agonia, que eu falo enrolado. Mas já me acostumei”, garante. Se antes de virar um influenciador Alex evitava o contato com outras pessoas, por achar que ninguém o compreendia, nas redes ele conseguiu expandir sua voz e alcançar quase 1 milhão de seguidores no TikTok. “Sou um d-eficiente”, reforça o influenciador, que separou o “d” justamente para chamar a atenção para sua capacidade de ouvir mesmo sem os sons e de erguer sua voz em uma sociedade que ainda caminha a passos curtos — porém esperançosos — rumo à inclusão.