O fenômeno João Gomes: “Foi um grande passo”
Depois de um show histórico para 50 000 pessoas na Lapa, o cantor quer ampliar o alcance do piseiro e declara seu amor pelo Rio
No último domingo (26), o clima era de Copa do Mundo. Mais de 50 000 pessoas se concentraram nos Arcos da Lapa desde cedo, debaixo de um sol escaldante, para assistir ao show da gravação do segundo DVD de João Gomes. Em menos de seis anos, ele passou de cantor da turma da faculdade para o maior representante do piseiro — estilo que surgiu no Nordeste, derivado do forró, com influências de gêneros como arrocha, sertanejo e funk.
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Nascido em Serrita, no Sertão do Araripe de Pernambuco, o jovem de apenas 23 anos explodiu com um vídeo no TikTok, abandonou a faculdade de agropecuária, e hoje acumula mais de 16 milhões de seguidores nas redes sociais. Tem entre os amigos Gilberto Gil e Marisa Monte, dois dos grandes nomes com quem já trabalhou, e vem cativando o público carioca.
A apresentação que fará em dezembro do projeto Dominguinho, com Mestrinho e Jota.pê, foi uma das primeiras a esgotar na Brava Arena Jockey. Poucos dias antes do show, na van, a caminho de um ensaio, ele conversou com VEJA RIO sobre todas as transformações em sua vida. “Não estamos surfando uma onda, a gente é o próprio mar”, garante.
No Rio, o ritmo mais ouvido nos streamings é o rap, e há uma cena muito forte do samba e do funk. Por que escolheu fazer aqui a gravação do seu DVD? Sempre fui encantado por essa cidade, desde a primeira vez que pisei aqui para fazer uma gravação. Subi o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar, vi aquelas paisagens e sentia que, se esticasse o braço, ia encostar numa pintura. Não parecia real. Isso mexe com a gente, ainda mais quando moramos tão longe. O primeiro show em Recife, no Marco Zero, foi gigantesco, e lá em 2022 avisamos que esse momento se repetiria na Lapa. Nunca imaginei tanta repercussão. Fiquei muito animado, mas também ansioso.
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Logo depois, você segue para Petrópolis, para tocar no Rock the Mountain. Como é para um menino do sertão pernambucano conhecer o Brasil todo?
Tem sido maravilhoso. O primeiro lugar que toquei foi o Pará — e muita gente no Brasil nem sabe onde fica. Nosso país é enorme. Ainda não conheço bem o Sul, comecei a ir para lá agora. O legal é fazer amigos em cada um desses pousos e saber que ainda tem pano para a manga, muito a ser descoberto por aí.
Como cativou públicos de regiões tão diferentes? Tentamos falar de amor e, contando a nossa história, dialogamos com a experiência de outras pessoas. Todo mundo vive uma luta, tem um sonho e está em busca de alegria — e a música chega em lugares que as palavras não chegam. Precisamos da arte para vibrar e nos sentir vivos. O Dominguinho também me ajudou a abrir um leque de possibilidades, além da internet facilitar essa conexão. É uma ótima ferramenta, quando usada para o bem, que descentraliza o eixo Rio-São Paulo.
Quando entendeu que a sua vida tinha se transformado? Acho que foi justamente quando vim aqui no Rio. Encontrei o L7nnon por acaso e ele me reconheceu; depois o BK me perguntou se eu tinha noção do que estava acontecendo comigo. Eu não tinha. O começo da minha carreira foi mágico porque estava ali só vivendo, ainda tinha uma ingenuidade. Sinto falta desse sentimento, que nunca mais vai voltar. Mas o entusiasmo é a palavra de Deus na gente, e sei que se eu estiver muito animado vou me reconectar com aquele João antigo.
Como cuida da saúde mental em meio a tantas mudanças? Tenho déficit de atenção e tomo remédio todo santo dia para me concentrar e ser a minha melhor versão. Uso as minhas madrugadas de insônia, quando estou ansioso, para escrever. Diminuí a quantidade de álcool porque isso não faz bem para quem tem as emoções mais frágeis. Hoje consigo sair com a minha esposa para tomar um vinho sem ela ficar preocupada.
A paternidade também influenciou essas mudanças? Quando tive o meu primeiro filho, bateu a real e passei a sentir a vida mais tensa. Comecei a separar o João Gomes do João Fernando. Virar pai ensina mais do que qualquer escola, a gente sai de casa pensando neles. Tenho dois moleques maravilhosos: um a cara da mãe e o outro mais parecido comigo ó com esse eu me preocupo mais de também ser doidinho da cabeça (risos).
A indicação ao Grammy Latino como o primeiro cantor de piseiro veio como uma confirmação do bom momento vivido pelo estilo? Ainda não veio o prêmio, mas já foi um grande passo. É um som que está sendo feito por uma turma jovem, que às vezes não é compreendido pela galera das antigas. É difícil eles respeitarem algo novo. Por isso, a gente tem que se impor. Nunca é uma pessoa de sucesso que discrimina o gênero. O Gilberto Gil cantou comigo, sabe? Só uma pessoa frustrada para dizer que esse sucesso tem prazo de validade — algo que não existe na música. Não estamos surfando uma onda, a gente é o próprio mar.
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Como é ser reconhecido por esses grandes nomes? Convidei a Marisa Monte para a gravação do DVD, mas ela não podia por uma questão de agenda e me disse para continuar pensando nela em novos projetos. Até para dizer “não”, ela foi legal demais. É um privilégio estar no meio desse povo. A gente é um grão de areia no deserto, mas merece estar nesses espaços para falar de música.
Muitos comentam sobre a sua simplicidade. Qual o segredo para manter os pés no chão? Manter minhas dívidas altas. Não sou humilde, sou liso (risos). Estou brincando, é claro que aconteceu muita coisa boa, mas temos que saber equilibrar. Eu sou muito novo e estou aprendendo em todos os âmbitos, inclusive no fnanceiro. Na primeira vez que entrei num estúdio, foi tudo ou nada — não tinha nem condições de pagar a hora ali. Até o último dia da vida, aprenderei com a música, enquanto desfruto dos meus sonhos com responsabilidade.





