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Diretor Carlos Saldanha se aventura na Netflix: “Cinema requer paciência”

Carioca radicado em Nova York há 30 anos, cineasta lança em fevereiro a série Cidade Invisível, que explora o folclore brasileiro

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 8 fev 2021, 20h02 - Publicado em 15 jan 2021, 06h00
Cineasta Carlos Saldanha olha para a câmera e veste camisa polo
Carlos Saldanha: "Quando estou no Rio, gosto de correr na praia, andar na Lagoa e comer açaí" (Divulgação/Divulgação)
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Nascido e criado em Marechal Hermes, Zona Norte do Rio, o cineasta Carlos Saldanha, há três décadas radicado em Nova York, faz questão de cultivar hábitos bem cariocas quando está na cidade. “Não deixo de correr cedinho na praia. Também adoro me exercitar na Lagoa, subir a trilha do Dois Irmãos. E tomo açaí todos os dias”, enumera o diretor da premiada animação Rio e de várias bem-sucedidas produções como O Touro Ferdinando, indicado ao Oscar.

Aos 55 anos, Saldanha nunca se desconectou das raízes brasileiras. Desta vez levará a cultura local às telas (de TV) com a produção Cidade Invisível, com estreia em fevereiro, na Netflix. Ela traz vários ineditismos à sua carreira: será sua primeira série, o primeiro grande trabalho em live-action, com atores e atrizes reais, e a primeira incursão no ascendente universo do streaming.

Ligado no 220, como ele mesmo diz, Saldanha supervisionou todo o roteiro e as gravações da trama, cujo ponto de partida é a misteriosa aparição de um boto-cor-de-rosa morto nas areias da Praia do Flamengo. Em entrevista por videochamada, o cineasta falou sobre os novíssimos desafios e da saudade que sente da cidade natal. “Eu saí do Rio, mas o Rio não saiu de mim”, resume.

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É mais fácil animar pássaros do que lidar com atores de verdade, como fez em Cidade Invisível?

Não vou dizer que foi simples, mas certamente mais tranquilo do que imaginava. Confesso que sentia um certo medo, porque sempre ouvi os diretores reclamando do ego dos atores. Não tivemos problemas. Mas já passei, sim, por perrengues com atores famosos que dublaram minhas animações.

Pode dar um exemplo?

Uma vez, um deles chegou para mim e disse: “Esse roteiro precisa ser reescrito”. Acabei tendo de virar psicólogo, chamar para conversar, equilibrar as coisas. É uma parceria importante. Eu preciso deles e eles, de mim, então é fundamental criar uma conexão para o trabalho dar certo.

Há algum ator com quem gostaria de trabalhar?

Rodrigo Santoro pode estar em qualquer projeto meu, gosto muito dele. Como moro fora, não consigo acompanhar a TV aberta no Brasil, mas admiro o Fabio Porchat e a Samantha Schmütz, são muito engraçados.

Após inúmeros sucessos de bilheteria no cinema, está prestes a fazer sua estreia no streaming. Por que decidiu enveredar por aí?

De uns tempos para cá, a qualidade das séries e dos filmes produzidos para o streaming subiu muito, quebrando paradigmas e preconceitos que existiam na própria indústria. Hoje, as produções do streaming competem de igual para igual com os filmes de Hollywood.

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Quais as diferenças na hora da filmagem?

Começam pela duração: a produção de uma série leva bem mais tempo do que a de um filme. Um longa, hoje em dia, não passa de 120 minutos. Cidade Invisível teve sete episódios de 35 minutos cada um, o dobro. Outro ponto novo para mim é que o cronograma de filmagens depende das locações, então é tudo filmado fora de ordem. É muito dinâmico e, como sou ligado no 220, gostei do processo.

Como chegou à Netflix?

Fui para Los Angeles e apresentei a ideia a eles. A reação foi boa, mas demoraram seis meses para dizer que estavam interessados em produzir a série. Tudo levou dois anos. Nesse aspecto, é bem parecido com o cinema. As negociações são minuciosas, é preciso ser paciente.

Viver de cinema exige paciência?

Sem dúvida. Até desconfio quando as coisas acontecem rapidamente. Tudo tem seu tempo de maturação. Rio, por exemplo, levou sete anos entre a ideia inicial e a finalização. E ainda tem a questão do timing certo para o lançamento. Precisa ser algo que as pessoas realmente queiram consumir.

Desde o início da pandemia a audiência nas plataformas de streaming explodiu. Acredita que há ainda bom espaço para crescer?

Com certeza, é um caminho sem volta. Temos televisões, computadores e aparelhos de som de altíssima definição que permitem montar um cinema na frente do sofá. Some-se a isso um cardápio infinito de produções. É uma revolução a que estamos assistindo na sala de casa. Na pandemia, isso ficou ainda mais nítido, porque as pessoas tiveram uma enorme necessidade de consumir entretenimento.

A que assistiu de bom nesse período?

Fiz diversas maratonas no sofá. Fiquei muito impressionado com The Crown (série da Netflix sobre a família real britânica). Eles conseguem contar a história de um reinado longevo e ainda trazer muita emoção a cada episódio. Acabei me interessando também por histórias fantásticas e de mistério, como a série alemã Dark. Aliás, um lado positivo do streaming é poder assistir a produções dos mais diferentes países. Vi séries da Dinamarca, Turquia, França.

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Em algum momento ficou em dúvida se o enredo de Cidade Invisível, focado em lendas do folclore brasileiro, seria interessante para espectadores estrangeiros?

Não. Tem uma série da Amazon Prime, American Gods, que aborda justamente o folclore dos Estados Unidos, misturando dramas contemporâneos à fantasia, e é um sucesso. O que importa, na verdade, é o sentimento humano, os medos, os anseios. Isso é universal e aparece em todos os mitos. Mesmo regionais, as histórias precisam ter temática global, para que qualquer pessoa se identifique. O desafio atual é exatamente fazer um enredo funcionar no país e fora dele.

O cineasta Ruy Guerra diz que “um povo sem cultura é um povo escravizado”. Em que medida isso faz sentido em seu trabalho?

Acredito que todo projeto precisa ter uma função, uma conexão com o povo. O folclore brasileiro é muito bom, então deve ser celebrado. O Brasil tem uma tradição de não valorizar sua história, mas, a meu ver, apropriar-se da própria cultura é libertador.

Os recursos oficiais escassearam no Brasil nos últimos tempos. Teme um retrocesso do cinema brasileiro?

O conceito que existe no Brasil, de a indústria do audiovisual precisar de incentivos governamentais, é novo para mim. Não funciona assim nos Estados Unidos. O bom da Netflix e de outras plataformas é que as produções não precisam captar recursos através de lei. Se eu tivesse de me adaptar ao modelo daqui, teria dificuldades. O cinema brasileiro precisa encontrar caminhos para ser independente.

É o primeiro brasileiro indicado mais de uma vez ao Oscar. Que tal estar entre os melhores de sua área?

É muito bom se sentir valorizado, mas um bom cozinheiro quer que as pessoas gostem da sua comida em primeiro lugar. A indicação para o Oscar acaba sendo uma sobremesa. Mas certamente ganhei mais visibilidade e respaldo, além de ter acesso a mais projetos.

Há três décadas fora, mantém laço estreito com o Rio?

Eu saí do Rio, mas o Rio não saiu de mim. Meu sonho era mostrar o Rio para o mundo e realizei isso na animação. Agora, com a série, minha vontade era mostrar o lado B da cidade, as paisagens que, mesmo não estando nos cartões-postais, são instigantes. Apesar de todas as mazelas, o Rio é cinematográfico, inspirador. E o carioca, maravilhoso e irritante ao mesmo tempo.

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Irritante como?

Em Nova York, me acostumei a ser pontual. Gosto de que as coisas estejam prontas na hora combinada. Aqui, isso já é mais difícil.

Pensa um dia em voltar?

Nunca fechei as portas. Quando fui para Nova York, imaginei que seriam seis meses, mas lá se vão trinta anos. Faço questão de manter um apartamento aqui, um pé no Rio. Sempre será a minha casa.

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