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Fagundes quer voltar às novelas e produzir dez filmes nos próximos anos

Com peça em cartaz no Rio, ator celebra a profissão: 'Tem sempre um velhinho bruxo para fazer. Minha vaidade agora é mostrar as rugas que o personagem tem'

Por Melina Dalboni
19 jan 2023, 19h00
Antonio Fagundes
Antonio Fagundes: aos 73 anos de idade e 57 de carreira, ator volta aos palcos cariocas com a peça Baixa Terapia, no Teatro Clara Nunes, na Gávea.  (Andre Arruda/Divulgação)
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O ano de 2022 foi agitado para Antonio Fagundes. Aos 73 anos de idade e 57 de carreira, o ator interpretou dom João VI na série IndependênciaS, gravou o filme Deus Ainda É Brasileiro e ficou em cartaz no teatro durante três meses em São Paulo. Pois 2023 promete mais. O ator está de volta aos palcos cariocas com a peça Baixa Terapia, no Teatro Clara Nunes, na Gávea, desenvolve um projeto de streaming, começa a preparar uma nova peça e ainda almeja alçar voos mais arriscados do ponto de vista dos negócios. Nos próximos anos, ele quer produzir dez filmes de baixo orçamento com investimentos próprios. “Desde 1975, invisto e produzo meus espetáculos no teatro. Descobri que só teria liberdade com os meios de produção na minha mão. Agora quero fazer o mesmo no cinema”, diz. Apesar de ter recusado o papel no elenco de Pantanal, Fagundes conta que não descarta um retorno às novelas, explica o fim de seu contrato com a TV Globo e revela como se sente envelhecendo em frente às câmeras. “Tem sempre o papel de um velhinho bruxo para fazer”, brinca nesta entrevista a VEJA RIO.

Como explica a bem-sucedida bilheteria de Baixa Terapia, que contabiliza 350 000 pessoas até agora? Não existe uma fórmula, mas minha ideia é sempre atingir o maior número de pessoas e o maior tempo possível. Uma boa peça é aquela que faz o público refletir por pelo menos cinco minutos até o estacionamento. No caso dessa, é uma comédia hilária com uma virada extraordinária no final, fazendo com que toda história seja repensada.

Você contracena com sua atual mulher, Alexandra Martins, sua ex-mulher Mara Carvalho, e ainda com um texto traduzido por sua primeira mulher, Clarisse Abujamra. Como é lidar com todas elas juntas? Não tem segredo. É preciso uma boa vontade por parte de todo mundo (risos). Se um só quisesse, não daria certo, mas todos estão satisfeitos. Por isso, funciona. Nossa companhia se chama Teatro em Família e já estamos há quase cinco anos fazendo Baixa Terapia.

Foi sua veia empreendedora que o levou a vender também ingressos vip nesta peça, com direito a visita aos bastidores e conversa particular com os atores? Há décadas tento me aproximar do público de formas diferenciadas. Sempre quis conhecer um pouco mais as pessoas que estão naquele buraco negro, que é o que o ator vê do palco. Uma destas formas foi ficar na bilheteria meia hora por dia vendendo ingressos. Isso me fazia ser capaz de saber se a plateia seria boa, alegre, crítica. Já fiz um jornal, onde eu me comunicava com os espectadores. Em Baixa Terapia, fazemos um bate-papo rápido com o público após a peça todos os dias. E uma das formas também foi abrir os bastidores, criando uma experiência que acabou sendo muito importante para nós e também para as pessoas, porque elas assistem ao espetáculo de forma diferente. Ao contrário dos Estados Unidos e da Europa, onde se aprende sobre o fazer teatral desde o primário, no Brasil as pessoas não sabem o que quer dizer coxia, gambiarra, bastidor, urdimento e todas aquelas palavras sobre o teatro. Essa experiência, com este ingresso, amplia o olhar do espectador.

Desde os 12 anos você trabalha no teatro. É a arte com a qual mais se identifica? O teatro é a pátria do ator, é a base do nosso trabalho, o palco onde se ousa, se arrisca e se erra. O público, aliás, gosta de perceber quando o ator erra. É um exercício de humildade que precisamos fazer a cada espetáculo, diferente do cinema e da televisão, em que é só voltar e corrigir. O teatro é um eterno processo de criação na frente do público.

Você recusou um papel no remake de Pantanal. Não tem vontade de voltar às novelas? Adoro fazer novelas, tive a sorte de fazer 15 ou 20 novelas icônicas. Se me chamarem para fazer um trabalho de que eu goste e se as condições forem boas, com certeza. Recusei o personagem, que era maravilhoso, numa novela do Benedito (Ruy Barbosa), um autor que eu amo, por causa das condições de trabalho, que iriam mudar na renovação do contrato com a TV Globo, e eu não concordei.

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Que condições eram essas? Acordos que eu tinha e que foram rompidos. Um deles é que eu só gravaria nas minhas folgas de teatro. Tenho 57 anos de profissão, nunca parei de fazer teatro, nem pretendo.

Como o público tem reagido à quinta reprise de O Rei do Gado? Esta é uma novela que eu amei fazer e que continua a fazer sucesso depois de tantos anos. O Rei do Gado, no Vale a Pena Ver de Novo, passa cada dia num horário e mesmo assim, às vezes, chega a tocar no ibope da novela das nove. Isso é para todo mundo parar e pensar: Onde foi que nós acertamos naquelas décadas todas? 

Após o sucesso de Pantanal, várias tramas antigas estão sendo estudadas e podem retornar ao ar. Estão faltando textos novos capazes de atrair o público? Está faltando a percepção de que a forma com que se fazia telenovela vinte anos atrás era a que devíamos estar perseguindo até hoje, tanto é que essas novelas quando são reprisadas fazem muito sucesso – às vezes, até mais do que as que estão no ar. Dos anos 2000 para cá, os autores resolveram mudar a estrutura que tinha dado certo por décadas no Brasil, influenciados talvez pela forma americana de fazer televisão. Enquanto a gente quis imitar os americanos, serializando as novelas, os americanos estavam novelizando as séries. A TV aberta chegou a atingir 80 milhões de pessoas por capítulo. Por que mudar uma fórmula que dava tão certo?

Roteiristas e produtores brasileiros têm feito uma série de críticas às empresas de streaming. Você é a favor da regulamentação do streaming? O streaming chegou ao Brasil com uma mentalidade americana, o que é muito ruim, porque o mercado brasileiro é completamente diferente do americano. Esta mentalidade americana não veio acompanhada da parte financeira americana. O que o streaming investe nos Estados Unidos é mil vezes mais do que investe no Brasil, o que ocasiona uma série de distorções. A primeira é que nossas produções são sempre muito pobres perto das produções americanas. A segunda é que nosso mercado é muito mal remunerado por causa disso. E a terceira é que as regras americanas são diferentes das brasileiras em relação a exibição, direitos de intérpretes e uma série de outras coisas. Por isso, acho sim que tem que ter uma regulamentação e que temos que preservar o que nós já temos, como uma televisão aberta forte, um teatro forte e um cinema que tem potencial grande.

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Como vê a presença nos elencos de influenciadores da internet, como a Jade Picon, atualmente em Travessia? Não se transfere público automaticamente de uma mídia para a outra. O influenciador que tem 23 milhões de seguidores não levará 23 milhões de espectadores para a TV. Quem o segue nas redes sociais não vê televisão, não gosta ou não tem tempo. O influenciador vai continuar com os seus 23 milhões de seguidores, mas não vai levar sequer um milhão para a televisão, a não ser que ele seja um ator excepcional, mas aí ele vai criar o público dele, específico de televisão. Que bom que os influenciadores venham para a televisão, desde que sejam bons atores. 

Considera importante ter uma presença relevante nas redes? Continuo analfabyte. Não entendo nada disso. Meu perfil no Instagram é diferente de todos os perfis. Posto sobre teatro, literatura, poesia. Coloco lá as coisas de que eu gosto e, de repente, descobri que tenho 1,4 milhão de seguidores que gostam do mesmo que eu. Que maravilha! Mas ao mesmo tempo, tenho minhas dúvidas se eu consigo levar essas pessoas, por exemplo, para o teatro.

Tem gente demais dando opinião nas redes sociais? Opinião é uma bobagem, uma coisa que você dá numa mesa de bar e que não deve dar para todo mundo. As pessoas acham que opinião é suficiente. ‘Eu acho’ não quer dizer nada, a não ser que você esteja abalizado. Ou você está fundamentado, e deixa de ser uma opinião e passa a ser uma informação, ou cale a boca.

Por que decidiu empreender no cinema e produzir dez filmes nos próximos anos? 

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Desde 1975, eu invisto e produzo meus espetáculos. Primeiro, é um investimento pessoal porque eu queria respeitar minha liberdade como artista. Descobri que eu só teria liberdade se eu tivesse os meios de produção na minha mão. Segundo, porque queria conseguir criar um repertório determinado por mim. Agora quero fazer isso em cinema também. Mas como o cinema exige uma verba muito maior, veio a ideia de fazer filmes de baixo orçamento para serem filmados em 15 dias com uma pequena equipe. 

Vai dirigir no cinema também? Não. Meu trabalho como ator tem muito para ser aperfeiçoado. 

Que conselho dá a um aspirante a ator? Fique famoso. Faça com que você seja conhecido a ponto de que as pessoas queiram te ver no teatro. Comecei no Teatro de Arena, um teatro de 150 lugares que nem sempre lotava. Eu ficava parado olhando para aquela plateia e pensando que vivíamos num país de 90 milhões de habitantes, na época, e que fazendo para 150 espectadores por dia seria difícil eu me comunicar com mais pessoas. Sempre quis fazer televisão porque achava que passaria a ser conhecido por um número maior de pessoas e assim talvez eu comovesse algumas delas a irem ao Teatro de Arena. Depois eu quis fazer em teatros cada vez maiores a ponto de ocupar o Teatro Cultura Artística, em São Paulo, durante 13 anos, com 1.200 lugares. Eu lotava de quarta a domingo! Fundei a Companhia Estável de Repertório e percebi que ajudou muito o fato de eu ser conhecido em novelas. Isso fez com que pessoas do Brasil inteiro, quando chegavam a São Paulo, quisessem me ver no palco. 

Como está sendo envelhecer sob os holofotes? É muito bonita a profissão de ator, porque tem sempre um velhinho bruxo para fazer. Envelhecer, para o ator, significa adquirir novos personagens. Estamos sempre up to date. A imagem muda, a vaidade muda. Minha vaidade agora é mostrar as rugas que o personagem tem, coisa que não dá para fazer quando se é jovem.

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Conte três segredos para se manter jovem? Ler, ter humor e não ligar para envelhecer. Através da leitura você pode enxergar o outro de uma forma que a sua vida não permite, e enxergar o outro é entender que as coisas se modificam. Sobre ser bem humorado: as coisas são engraçadas particularmente depois que passam, mas se você consegue ter humor enquanto elas estão passando, será mais suave para você. Por último, só não envelhece, quem morre. Diante da alternativa, não ligue por estar ficando mais velho.

Já levou algum susto de saúde que o fez se cuidar mais? Descobri que tenho diabetes tipo 2. É uma doença silenciosa e você só percebe quando os sintomas, que são graves, começam a aparecer. Comecei a me cuidar, presto atenção nos exames de sangue, faço exercícios e estou magrinho.

Aos 73 anos, mudou sua visão sobre o machismo? Fui criado numa era machista e de forma machista. De uns tempos para cá, começamos a perceber os erros dessa postura e do patriarcado, mas é claro que ainda tenho resquícios dessa mentalidade. Então, me vigio. Se deixo escapar algo, como uma piada, e alguém me chama a atenção, nunca mais cometo o erro. É preciso ter cuidado com gestos, palavras, atitudes. A desconstrução dessa masculinidade pautada numa era machista é, a meu ver, uma construção.

Aos 57 anos de carreira, o que ainda falta fazer? 

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Assim como estou descobrindo que quero fazer filmes de baixo orçamento, vou descobrir muito mais. Shakespeare escreveu 37 peças, e eu só fiz uma. Então, só dele, faltam 36 peças.

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